Oculares - uma introdução

As oculares serão talvez um dos mais importantes componentes de um telescópio. Uma má ocular é bastante prejudicial para qualidade final da imagem independentemente da qualidade óptica do telescópio, por conseguinte é realmente importante conhecer as oculares que possuímos e quais a adquirir futuramente de modo a poder aproveitar no seu máximo o telescópio que possuímos. Costuma-se dizer que "As oculares são metade do telescópio".

È frequente as oculares serem consideradas um acessório secundário ou simplesmente não são tidas em conta na aquisição de um telescópio. provavelmente a 2ª decisão mais complicada é a escolha das oculares certas para o telescópio ou mais idealmente, para o presente telescópio e futuros telescópios. É importante salientar que as oculares que geralmente são oferecidas com telescópios de baixo custo em muito contribuem para a sua péssima prestação, sendo nalguns casos totalmente inadequadas.

As oculares existem desde que Galileu se lembrou de olhar para o céu com o seu telescópio, pois sem uma ocular, a luneta que utilizou de nada lhe servia. Ele utilizava apenas uma lente côncava simples, que lhe proporcionava uma imagem direita (sem qualquer inversão) embora com muito pouco campo de visão e cheia de aberrações. Kepler tentou arranjar um design melhor utilizando uma lente convexa, que dá uma imagem invertida, com um campo de visão um bocado maior (cerca de 15° ), mas igualmente infestada com aberrações.

Identificação de uma ocular

È usual as oculares terem letras e números impressos algures. Esses caracteres e números indicam o tipo de design e qual o comprimento focal que é expresso em milímetros. È fácil para os iniciados confundir marcas ou designações comerciais com designs ópticos e para complicar um bocado mais o assunto é vulgar designs estarem abreviados por uma ou duas letras.

As abreviaturas estão sumariadas na seguinte tabela:

H Huygens
Ra ou R Ramsden
K ou AR ou MA Kellner
RKE ou RK Rank-modified Kellner Eyepiece
Or Ortoscópica
Er Erfle
P ou Pl Plossl

A maior parte destes designs tem o nome do seu inventor com excepção da ortoscópica. O número representa a sua distância focal em milímetros, por exemplo 20mm, 9mm etc... Diferentes distâncias focais equivalem sempre a diferentes amplificações no mesmo telescópio, e a mesma ocular pode ter diferentes amplificações em diferentes telescópios. Existem muitos designs que têm nomes comerciais tais como Nagler, Radian, SuperWide, Panoptic, UltraWide, MA (modified Acromat), Ultima, Axiom etc.. que podem ser designs exclusivos, ou, apenas designs correntes com algumas alterações

Anatomia de uma ocular

Na figura seguinte està representada todos os componentes e termos relativos a uma ocular genérica:

oculargen

Campo de visão aparente

Esta característica pode ser entendida como o tamanho da circunferência da imagem observada pelo o nosso olho ao espreitarmos por uma ocular, sendo esta medida em graus. As oculares podem ter um campo que poder ir de 30 a 100 graus. O nosso olho tem geralmente um campo de visão inferior a 80 graus, o que em oculares de 40 graus por exemplo, dá a sensação de se estar a observar por um tubo, a partir dos 65 graus já proporciona uma imagem que "enche" o olho. Nos campos superiores a 80 graus, torna-se necessário ter que rodar o olho para poder ver a totalidade da imagem!. Não se deve confundir o campo aparente com o campo real, porque este último é dependente do telescópio utilizado e é o valor em graus da área de céu realmente observada. As oculares de 65 graus para cima costumam-se designar por grande-angulares.

Distância do olho à lente (Afastamento de pupila de saída)

Este valor diz-nos qual a distância mínima necessária do olho em milímetros à lente para se poder ver a imagem focada e/ou ver a totalidade do campo aparente. Esta distância tem especial relevância para quem usa óculos, devido ao facto que distâncias inferiores a 12mm não permitirem ver a totalidade de imagem. Infelizmente muitas oculares, e especialmente as de design mais simples tornam-se muito desconfortáveis de utilizar e no caso das de distância focal curta (9mm e a baixo ) podem ser completamente impossíveis de utilizar. Para quem não use óculos, o mínimo dos mínimos é cerca de 10mm, ainda sob pena de ser frequente "bater" com o olho na lente e de "lavar" a ocular com o óleo das pestanas!. O meio termo será de 14mm a 20mm que são distâncias já muito confortáveis e utilizáveis por quem use óculos. Para distâncias maiores que 20mm é frequente ter-se dificuldade em posicionar o olho, sendo preciso posteriormente mantê-lo bem firme de modo a evitar "blackouts". Um pormenor em ter atenção é que a imagem não é formada na superfície da lente de olho, e existem fabricantes que especificam um afastamento que na prática se torna menor (afastamento efectivo).

Barrilete

É a medida da ocular. Existem três medidas standard correntemente: 24,5mm (0,965") 31,7mm (1,25") e 50,8mm (2"). As de diâmetro menor (24,5mm) estão geralmente associadas a telescópios de muito baixo custo, sendo preferível evitar a todo o custo (com a excepção de terem escrito Zeiss ou Pentax algures). A medida standard mais vulgar é o de 31,7mm (1,25"), para a qual estão disponíveis centenas de modelos de dezenas de marcas, e finalmente para telescópios de maiores dimensões existem as de 50,8mm (2") que geralmente são utilizadas em oculares grande-angulares com grande distância focal. Na extremidade do barrilete é importante que tenha rosca para utilização de filtros coloridos (não solares), por exemplo para observar a Lua (cheia), realçar detalhes nos planetas, ou ainda para filtros anti-poluição luminosa.

Field stop (diafragma)

Geralmente é um anel aplicado depois da lente de campo que delimita a imagem aparente. Tem (ou deveria de ter) a função de esconder aberrações ópticas próprias de cada um dos designs, que nas extremidades se tornam bastante evidentes. O diâmetro do field-stop é importante para determinar exactamente qual a sua distância focal.

É também aconselhável que a ocular tenha qualquer espécie de "guarda-olho" de modo a evitar reflexões da luzes próximas e por conseguinte o contraste. Estas guardas também dão também uma ajuda a posicionar o olho.

Designs de Oculares

Nesta secção vão ser descritos os designs mais vulgares, que podem ser encontrados a acompanhar telescópios ou em venda em separado.

ocular_huygens

Esta foi a primeira ocular composta por duas lentes, inventada por Christian Huygens nos fins de 1660 sendo constituída por duas lentes plano-convexas. O seu campo aparente é pequeno em comparação com outras oculares de design mais moderno, e pode-se dizer que funciona marginalmente bem quando em distâncias focais grandes (15mm e a acima ) em telescópios "lentos" de F/10 a F/15. Estas oculares em telescópios rápidos (F/4 a F/6) apresenta todo o tipo de aberrações, desde de aberração cromática e esférica, curvatura de campo e uma grande falta de nitidez. Se se ler numa ocular algo do género H20mm , significa que é uma ocular tipo Huygens com 20 mm de comprimento focal. É muito provável que este tipo de oculares venham fornecidas com telescópios de muito baixo custo. A evitar ou substituir especialmente no caso de se tratar de um telescópio inferior a F/10.

ocular_ramsden

Esta ocular também chamada "positiva", foi inventada por Jesse Ramsden em 1782 e tal como a Huygens é constituída por duas lentes plano-convexas mas com parte convexa montada virada uma para a outra. Este tipo de oculares geralmente têm menos aberração esférica e menos curvatura de campo que a Huygens, sendo também dada a reflexões internas e aberrações cromáticas, sendo igualmente desaconselhada para telescópios rápidos. Tal como o design acima estas oculares são de evitar.

ocular_kellner

Inventada por Carl Kellner em 1849, são também chamadas Ramsden acromáticas (AR) ou Acromáticas Modificadas (MA). A lente do olho simples é substituída por uma lente cimentada dupla que reduz grandemente as aberrações dos designs anteriores. Têm a cor bem corrigida e são bastante corrigidas até à extremidade. O seu campo de visão aparente vai de 40 graus a 45 graus, sendo à partida já uma ocular decente para os diversos tipos de observação. O afastamento do olho é bom para distâncias focais grandes (14 e acima), diminuindo bastante nas oculares inferiores a 10mm. Se não tiverem tratamentos adequados é frequente ver "fantasmas" nas imagens, especialmente de objectos brilhantes como os planetas. Esta ocular é um bom compromisso para o preço (o mais barato) especialmente nas distâncias focais entre 10mm e 20mm.

ocular_rke

Este design é uma variação moderna da Kellner, efectuada por David Rank, que inverteu a posição das lentes e optimizou a lente cimentada de modo a melhorar a Kellner em quase todos os aspectos. As suas características são comparáveis ao próximo design. Têm um campo aparente de 45 graus e apresentam um bom contraste e definição. Boa ocular para todos os telescópios.

ocular_orto

A ocular ortoscópica foi introduzida em 1880 por Ernst Abbe, e desde então foram já feitas dezenas de variações. É constituída por um tripleto de lentes e uma lente de olho plano-convexa. Esta combinação resulta na ocular perfeita sem qualquer aberração cromática ou esférica, embora possa ter "fantasmas" em objectos brilhantes e alguma curvatura de campo. Devido ao facto de serem apenas 4 lentes a transmissão de luz é muito boa e a imagem é muito contrastada (fundo escuro), especialmente se for uma "orto" com tratamentos. O seu campo aparente varia entres os 40 e 50 graus, e o afastamento de pupila é generoso nas distâncias focais médias (12,5mm e acima). Esta é uma ocular "especialista" sendo muito utilizada actualmente para observação de planetas e chega até a ser preferida às oculares de luxo com mais elementos ópticos, devido ao seu preço (relativamente baixo) e ao contraste e transmissão muito alto devido à sua simplicidade. Esta ocular é excelente para todos os telescópios.

ocular_erfle

Este design foi o que deu origem às grande-angulares modernas (+65 graus), e foi desenvolvida em 1917 para binóculos de observação militares. São constituídas por 5 ou 6 elementos: 2 acromáticas e uma convexa (como na figura) ou 3 acromáticas e proporcionam um campo aparente de 60 a 75 graus. Nas baixas magnificações mostram imagens impressionantes. Este design apresenta algum astigmatismo na extremidades da imagem, não sendo aconselhada para observar a Lua ou planetas. São oculares raras de encontrar.

ocular_plossl

Inventada em 1860 por G.S. Plossl é constituída por um par de dupletos sendo também chamada de assimétrica. Esta ocular pode-se considerar um ortoscópica com com mais campo aparente que pode ir de 45 a 60 graus, mais afastamento da pupila de saída, sendo igualmente corrigida para aberração cromática. É uma ocular para todo o serviço, sendo adequada para todo o tipo de telescópios e tem um excelente relação custo/qualidade. Todos os fabricantes neste momento oferecem plossl e por vezes até em várias gamas. A qualidade é dependente do facto de ter ou não multi-tratamento, rosca para filtros, guarda para os olhos, caixa de armazenamento entre outros aspectos, em que geralmente a mais cara é melhor. Indispensável e inevitável em qualquer caixinha de acessórios. Geralmente é fornecida um ou duas destas oculares em telescópios de custo mediano (+80 contos).

ocular_barlow

A Barlow não é uma ocular, mas sim antes um acessório de ocular. Foi inventada por Peter Barlow em 1834 que descobriu que colocar uma lente negativa entre uma ocular e o foco primário resulta no aumento da distância focal e consequentemente da amplificação. O coeficiente de magnificação pode ir 1.8x até às 3x. Existem várias vantagens em ter uma Barlow de qualidade: As oculares duplicam :) pois permite uma ocular ser utilizada com duas magnificações diferentes com pouca perca de características; o afastamento do olho mantém-se, o que é bom para os designs que o têm bastante pequeno nas distâncias focais mais curtas, e pode tornar utilizável algumas oculares em telescópios muito rápidos (f/4 a f/6), reduzindo defeitos nas extremidades do campo de visão. É um acessório importante para todo o astrónomo.

Algumas características desejáveis

Como em todos os instrumentos ópticos, a qualidade e quantidade de tratamentos é importante para o resultado final. É sempre preferível uma ocular com multi-tratamento especialmente nas lentes expostas ao ar. Os tratamentos permitem uma melhor transmissão e evitam os reflexos interiores e exteriores. Outra característica importante é de ter guardas de olho, pois evitam que luzes parasitas se intrometam na imagem, o que se torna desejável quando se está a observar em locais urbanos ou suburbanos, o isolamento do olho das luzes parasitas aumenta o contraste que é muito importante na observação de objectos difusos ou muito ténues. A rosca para filtros embora menos importante, é conveniente que a ocular a possua. E finalmente para um bom conforto geral e minimização de cansaço de observação é bastante aconselhável ter um bom afastamento (14 a 20mm) de pupila.

Luís Carreira, Dezembro de 2000 (última revisão em Julho de 2008)