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A GRANDE MANCHA ESCURA

 

12 de Março de 2003 - Durante mais de um século os astrónomos pensaram que a Grande Mancha Vermelha era a maior coisa em Júpiter. Agora já não pensam o mesmo. Imagens da sonda Cassini da NASA revelaram algo que terá pelo menos o mesmo tamanho.

 

A Grande Mancha Escura.

 

"Fiquei completamente surpreendido quando a vi - uma nuvem escura duas vezes maior que a Terra a girar próximo do Pólo Norte de Júpiter," diz Bob West, um cientista planetário do Jet Propulsion Laboratory.

 

Acima: Esta imagem falsa ultra-violeta (UV) da Cassini revela a Grande Mancha Escura a girar próximo do pólo Norte de Júpiter. A zona das auroras de Júpiter é denotada por uma curva azul.

 

West já estava a caçar esta nuvem há algum tempo. Ele viu-a pela primeira vez "num vislumbre," diz West, numa imagem UV de Júpiter tirada pelo Hubble Space Telescope em 1997. Mas só apareceu numa imagem entre muitas conseguidas num período de anos. "Eu não sabia o que fazer com ela," relembra ele.

 

Agora já sabe. "A sonda Cassini estava em rota para Saturno em 2000 quando passou por Júpiter e tinha uma boa visão do pólo Norte do planeta," diz West. "À primeira vista não parecia haver nada de invulgar - só nuvens polares vulgares. Depois a Mancha Escura emergiu." Durante semanas, as câmaras sensíveis aos UV observaram a nuvem a crescer para uma forma oval do tamanho da própria Grande Mancha Vermelha (GMV). Girou, escureceu e mudou de forma até que, quando a Cassini estava a partir, a mancha tornou a empalidecer.

 

"A Mancha Escura é efémera, " diz West. É provavelmente por isso que o Hubble apenas a viu uma vez. E se a Cassini tivesse chegado um ou dois meses mais tarde, talvez nem sequer tivesse captado a Mancha Escura. Em vez disso, as câmaras da Cassini monitorizaram a nuvem durante 11 semanas seguidas, e aqueles dados permitiam a West chegar a algumas conclusões.

 

"A Grande Mancha Escura e a Grande Mancha Vermelha são inteiramente diferentes," afirma ele. A Grande Mancha Vermelha é profunda. "É um sistema de tempestades de alta pressão enraizado na troposfera de Júpiter bem abaixo do topo das nuvens. A Grande Mancha Escura é aparentemente superficial e confinada à alta estratosfera de Júpiter."

 

Esquerda: A Grande Mancha Vermelha é uma tempestade de longa duração profundamente enraizada na atmosfera de Júpiter é denotada por uma curva azul.

 

 

West acredita que a Grande Mancha Escura  é um efeito lateral curioso das auroras em Júpiter.

 

"Júpiter tem auroras boreais tal como a Terra, embora em Júpiter elas sejam centenas a milhares de vezes mais poderosas," diz West. As auroras acontecem quando electrões e iões caem na atmosfera polar e fazem com que o ar brilhe quando chocam. Aqui na Terra, as auroras são normalmente causadas por rajadas de ventos solares. O vento solar pode também desencadear auroras em Júpiter, mas não é necessário: em Júpiter, o próprio planeta fornece energia para as auroras boreais. "O campo magnético de Júpiter é um enorme reservatório de partículas carregadas," explica West. "Estas partículas são aceleradas na direcção do pólo pela rotação de 11 horas de Júpiter e pelo seu campo magnético. Assim, as auroras em Júpiter são quase sempre activas."

 

"Os electrões de alta energia que atingem a atmosfera de Júpiter não só provocam auroras, mas também quebram o metano, que é  mais abundante em Júpiter que na Terra," diz West. "Fragmentos de moléculas de metano combinam-se com hidrogénio ambiente para formar acetileno. Este é o bloco construtor básico. O acetileno combina-se com outras moléculas contendo carbono e hidrogénio para constituir moléculas bem mais complexas, que eventualmente se condensarão em gotículas escuras."

 

 

Acima: Uma imagem do telescópio Hubble das auroras boreais em Júpiter.

 

Se West estiver correcto, a Grande Mancha Escura é uma névoa de gotículas ricas em hidrocarbonetos flutuando nas camadas superiores da estratosfera de Júpiter. Tal névoa seria proeminente em imagens UV porque as gotículas de hidrocarbonetos absorvem fortemente radiação UV. Na verdade, a Grande Mancha Escura é invisível ao olho humano. "Apenas pode ser vista em luz UV."

 

A ideia de West coincide com os factos, mas West mantém-se intrigado: "Não houve uma forte manifestação das auroras quando a Grande Mancha Escura se intensificou em finais de 2000. O que provocou  o seu aparecimento quando a Cassini estava a passar pelo planeta? Não sabemos. Isto mostra-nos que a estratosfera é um local mais interessante que alguma vez pensámos."

 

Além disso, pode ensinar-nos algo sobre o nosso próprio planeta.

 

West explica: "Esta mancha escura é captada por um vórtice polar - uma corrente que envolve o pólo norte de Júpiter." Ventos rápidos no vórtice actuam como uma parede atmosférica, mantendo a Mancha Escura confinada a altas latitudes. As regiões polares da Terra são também rodeadas por vórtices semelhantes. O nosso vórtice árctico é perturbado de alguma forma por massas terrestres do Norte, mas o vórtice antárctico é mais bem organizado. Ele desempenha um papel fundamental em confinar o buraco de ozono – tanto como o vórtice polar de Júpiter confina a Grande Mancha Escura.

 

Direita: O buraco de ozono no pólo Sul terrestre.

 

"Monitorizar a Mancha Escura poderia ajudar-nos a perceber como os vórtices planetários funcionam." Para tais estudos, dois planetas são obviamente melhores que um.

 

Entretanto, West ficaria encantado se visse a Grande Mancha Escura de novo. "É uma ilusão," afirma ele. Mas está pronto para ser surpreendido... a qualquer altura.

 

LINKS

 

Puzzling X-rays from Jupiter  da Science@NASA. A Grande Mancha Escura não é a única coisa invulgar no pólo Norte de Júpiter. Os astrónomos que usam o observatório de raios-X Chandra viram uma pulsação de raios-X misteriosa.

Cassini Imaging Diary: Jupiter  da University of Arizona. Mais imagens e filmes e sobrevoo de Júpiter da sonda Cassini.

Rising storms revise story of Jupiter's stripes  da NASA. Imagens de Júpiter, tiradas por uma sonda da NASA a caminho de Saturno.

A Grande Mancha Vermelha de Júpiter: Hubble views an ancient storm on Jupiter (Hubble Heritage Gallery); Giant Storm Systems Battle on Jupiter; Galileo, Cassini, and the Great Red Spot (APOD).

Auroras extraterrestres: A Close-Up of Auroras on Jupiter (APOD); Jovian Auroras (APOD); An Auroral Ring on Jupiter (APOD); Auroras on Saturn (APOD).

Atmosfera de Júpiter: Basic Facts (JPL); The Structure of Jupiter's Atmosphere (Ames); Photochemical modeling of Jupiter's stratosphere and troposphere (JSC).

Procure na sua livraria local: Atmospheres of the Giant Planets by Bob West, in the Encyclopedia of Planetary Sciences, Academic Press, 1999.

 

 

 

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