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A SURPRESA STARDUST

 

16 de Janeiro 2004 - A 2 de Janeiro de 2004, a sonda Stardust aproximou-se do cometa Wild 2 e entrou numa tempestade. Rajadas de poeira cometária percutiram a sonda. Pelo menos meia dúzia de grãos, movendo-se mais rápidos que balas, penetraram as defesas exteriores da Stardust. Os 16 motores de foguete esforçaram-se por manter a trajectória enquanto um colector, do tamanho aproximado de uma raquete de ténis, capturou alguma da poeira que trará para a Terra dentro de dois anos.

 

Tudo isso era esperado.

 

Depois veio a surpresa. Aconteceu quando a sonda passou próximo do núcleo do cometa, só a 236 km de distância, e fotografou-o usando a câmara de navegação. As imagens destinavam-se principalmente para manter a sonda na rota certa. [N.T.: É um sistema revolucionário de navegação, auto-corrigida. A nave capta imagens, para as grandes distâncias, de estrelas, e, quando se aproxima, capta imagens do objecto, neste caso o cometa, e corrige a trajectória. Esta técnica foi experimentada no Deep Space 2. - cortesia Alberto Fernando] Elas também revelaram um pequeno mundo de beleza surpreendente.

 

Direita: O núcleo do cometa Wild 2 fotografado pela Stardust com aproximadamente 20 m de resolução. Clique na imagem para ver uma versão de maior tamanho.

 

No coração de cada cometa está uma "bola de neve suja", um núcleo compacto de poeira e gelo que o Sol vaporiza, pouco a pouco, para formar a espectacular cauda do cometa. Estes núcleos são difíceis de ver. Por uma razão, a maioria são mais escuros do que carvão; eles reflectem muito pouco da preciosa luz solar para as câmaras. Mais, eles estão escondidos no interior de uma nuvem de gás em vaporização e de  poeira, chamada "coma". O mergulho da Stardust na coma de Wild 2 permitiu ver o núcleo a curta distância.
 

Aproximações anteriores ao  cometa Halley pela sonda Giotto europeia e ao cometa Borrelly pela Deep Space 1 revelaram núcleos granulosos sem mostrar superfícies com interesse - como esperado. Estes cometas foram aquecidos pelo Sol durante milhares de anos. O aquecimento solar fez desaparecer por fusão os contornos mais salientes.

 

O cometa Wild 2, contudo, parece diferente. "Estamos surpreendidos pela superfície rica de relevos do cometa" diz Donald Brownlee da Universidade de Washington, o principal investigador da missão. "É altamente complexo. Há blocos do tamanho de celeiros, escarpas de 100 metros de altura, e algum terreno estranho que não se parece com nada que tenhamos visto antes. Há também algumas marcas circulares," acrescenta, "que se assemelham a crateras de impacte que chegam a ter 1 km de comprimento."

 

"As escarpas altas  dizem-nos que a crosta do cometa é moderadamente forte," aponta Brownlee. É provavelmente um mistura de material rochoso de grão fino mantido agregado por água congelada, monóxido de carbono e metanol. Certamente um módulo de aterragem  [N.T.: Optou-se por traduzir o termo anglófono "lander" pelo citado] poderia aterrar lá , ou um astronauta poderia caminhar na sua superfície, sem se preocupar com o colapso desta.

 

Um astronauta pousado no cometa Wild 2 veria uma paisagem verdadeiramente fantástica, especula. "Imagino-os dentro de uma das crateras, envolvidos por profundas escarpas." Estalagmites de gelo, tão altos como uma pessoa, poderiam erguer-se do fundo da cratera. "Estes seriam o equivalente aos espigões de neve na Terra - aquelas pequenas cristas recortadas que se formam quando a neve é exposta à luz solar e funde."

 

Sair da cratera seria fácil. "Basta saltar," diz Brownlee, "mas sem muita força". A gravidade é só 0,0001g, por isso poderia facilmente entrar em órbita com o salto.

      

Algumas das fotografias da Stardust revelam jactos gasosos. "Os jactos provêm de zonas activas na superfície do cometa, provavelmente fissuras ou chaminés,  onde o gelo está a vaporizar e a escapar   para o espaço," diz Brownlee. É assim que a massa é transferida do núcleo do cometa para a sua cauda.

 

Esquerda: Imagens de longa exposição do núcleo de Wild-2 revelaram jactos ténues indicados por setas.

 

Vistos da superfície, os jactos seriam quase transparentes. Mas um astronauta poderia localizá-los procurando poeira arrastada com os gases. Os grãos de poeiras brilhando com a luz solar pareceriam como rastos de balas tracejantes da superfície."

 

Um explorador cuidadoso poderia pesquisar todo o núcleo de 5 km em poucas horas, saltando acima da superfície, esquivando-se de um jacto ocasional. "Que experiência isto seria," diz.

 

Há milhares de milhões de cometas no Sistema Solar. "Nós olhámos de perto apenas três," diz Brownlee. E um dos três, cometa Halley, apresentou o seu lado nocturno para as câmaras. Portanto é muito cedo para dizer se o cometa Wild 2, entre os cometas, é verdadeiramente invulgar.

 

Ao contrário de cometas Halley e Borrelly, aponta Brownlee, "Wild 2 é um recém-chegado ao Sistema Solar interior." Durante milhares de milhões de anos orbitou no gélido espaço profundo além de Júpiter, até 1974 quando  foi desviado pela gravidade de Júpiter para uma órbita de aproximação ao Sol.  Desde então o cometa passou pelo Sol apenas cinco vezes; o aquecimento solar só agora está a começar a moldar a sua superfície.

 

E, segundo Brownlee, isso pode ser a chave do aparecimento do cometa. "A superfície do cometa é uma mistura de velho e  novo que nunca tínhamos visto anteriormente," explica. Marcas jovens incluem possíveis cavidades  colapsando quando a superfície é aquecida. As crateras de impacte e as suas ejecções, por outro lado, são velhas cicatrizes do tempo em que o cometa esteve no Sistema Solar exterior.

 

Direita: No interior de uma pequena cápsula do tipo Apollo, amostras do cometa Wild 2 regressarão à Terra em 2006.

 

As partes velhas de Wild 2 são o que fazem o cometa um alvo atractivo para a sonda Stardust, que capturou um milhar ou mais de grãos de poeira cometária durante a passagem próxima. Tal material, pouco alterado desde a formação do Sistema Solar, pode dizer-nos muita coisa sobre as nossas origens.

 

A carga útil da sonda regressará à Terra em 2006 para análise por cientistas. Se uma simples imagem da câmara de navegação pode surpreender os investigadores, imagine o que pode estar guardado quando eles tiverem nas suas mãos um milhar de pedaços do próprio cometa.

 

LINKS

 

STARDUST  da JPL.

The World in a Grain of Stardust  da Science@NASA. Esta história explica o que os cientistas esperam aprender aquando da passagem próxima da Stardust do cometa Wild 2. A versão portuguesa encontra-se disponível nesta página:  O mundo num grão de poeira.

Para comparação: imagens de Comet Borrelly e Comet Halley.
 

 

 

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