O SOL INCONSTANTE
17
de Janeiro 2003 -
O nosso
Sol pode parecer um farol permanente,
constante no céu, mas na verdade tem uma
espécie de "batimento cardíaco" – uma
pulsação que varia entre fases mais pálidas
e fases mais brilhantes tão lentas que só
"bate" 9 vezes em cada século!
É compreensível que
possa não ter notado. A pulsação não é
apenas lenta, como também é subtil. A
energia total emanada do Sol só varia cerca
de 0,1% ao longo de um ciclo de 11 anos.
Durante muito tempo os cientistas também não
repararam nela, o que explica o
facto da intensidade do Sol ser chamada,
ironicamente, a "constante solar."
DIREITA:
Um registo da intensidade do Sol baseada em
dados recolhidos por satélite desde 1978.
A intensidade do Sol varia ao longo de um
ciclo de manchas solares de 11 anos. Quando
as manchas solares são numerosas a constante
solar é elevada (cerca de 1367 W/m2);
quando as manchas solares são escassas o
valor é baixo (cerca de 1365 W/m2).
Onze anos não são o único "batimento",
contudo. A constante solar flutua por ~0,1%
ao longo dos dias e semanas à medida que as
manchas crescem e se dissipam. A constante
solar também desvia cerca de 0,2% a 0,6% no
decurso de muitos séculos, segundo os
cientistas que estudam os anéis das árvores.
Estas pequenas mudanças podem afectar a
Terra de uma forma significativa. Por
exemplo, entre 1645 e 1715 (um período a que
os astrónomos chamam de o "mínimo de Maunder")
o ciclo das manchas solares parou; a face do
Sol esteve praticamente em branco durante 70
anos. Na mesma altura a Europa foi atingida
por um intervalo de frio extraordinário: o
rio Thames em Londres congelou; os glaciares
avançaram nos Alpes; e o gelo no mar do
Norte aumentou. Um aumento da actividade
solar ocorrida séculos antes (inferida
através de estudos dos anéis das árvores)
teve o efeito oposto: por volta de 980 os
Vikings conseguiram colonizar a costa da
Gronelândia, cujo degelo já tinha terminado,
e terão mesmo lá cultivado trigo suficiente
para exportar o excedente para a
Escandinávia.
Acima:
Variações inferidas na actividade solar
(linhas verdes e vermelhas), ao longo dos
últimos 900 anos, parecem estar relacionadas
com a severidade dos Invernos em Londres e
Paris. A linha vermelha é deduzida pela
abundância de uma forma pesada de carbono
(carbono-14) nos anéis de árvores. Este
"isótopo" de carbono forma-se na alta
atmosfera quando raios cósmicos se
despedaçam, transformando-se em moléculas de
dióxido de carbono. Quando a actividade do
Sol é baixa, o seu campo magnético
enfraquecido permite a entrada de mais raios
cósmicos para o interior do Sistema Solar,
por isso as abundâncias de carbono-14 sobem.
(note no gráfico que a escala para
carbono-14 está invertida de cima para
baixo). Esta imagem feita pelo cientista é
baseada numa anterior que apareceu na
Science, 192, 1189 (1976).
Os
investigadores ainda não têm a certeza como
é que mudanças pequenas na actividade do Sol
empurram o clima da Terra numa direcção ou
noutra... Para descobrir a resposta, eles
precisam de monitorizar o nosso clima e
manter um dedo no "pulso" do Sol durante
muitas décadas.
"A consistência nestes registos de dados é
crucial," diz Alexandre Joukoff, um
cientista do Royal Meteorological Institute
na Bélgica, que estuda a constante solar.
"Lacunas ou imprecisões no registo minam a
nossa capacidade de usar a estatística para
chegar a conclusões seguras acerca de
fenómenos como o clima terrestre."
Obter medidas consistentes a partir da Terra
é difícil, explica Joukoff, porque as
estações sempre em alteração da Terra e as
condições meteorológicas fazem com que a luz
solar que atinge a Terra aumente ou diminua.
Em média, as nuvens e a atmosfera absorvem
ou reflectem 51% da radiação incidente, e
isto pode variar largamente entre dias
nublados e dias limpos.
Direita:
Nuvens como estas confundem os cientistas,
que tentam medir a constante solar a partir
da Terra.
O melhor local para medir a constante solar
é bem acima das nuvens – no espaço. Mas lá
também há um problema: a vida típica da
maioria dos satélites é só de 5 a 10 anos;
depois disso, o combustível esgota-se e o
satélite fica frio e imóvel. Eles não estão
lá tempo suficiente para medir a constante
solar durante intervalos de tempo de
décadas.
Quando novos satélites são
lançados para substituir um moribundo, é
difícil saber se uma leitura de, digamos,
"10 unidades" do novo satélite corresponde
verdadeiramente a "10 unidades" medidas pelo
antigo, tornando a consistência dos registos
dos dados incerta. Além disso, os sensores
dos satélites degradam-se quando envelhecem
– um resultado de exposição prolongada à
radiação ultravioleta solar.
De alguma forma a partir
deste trabalho de retalhos de satélites e
sensores a envelhecer, os cientistas
precisam de juntar um registo contínuo,
consistente da intensidade do Sol ao longo
de 30...
40... 50 ou mais
anos.
Abaixo: Se os
radiómetros do espaço fossem perfeitos, os
dados destes 5 sensores diferentes
coincidiriam e formariam uma só linha. De
facto, eles diferem em cerca de 1.5 W/m2.
SOLCON
é o que torna isto possível, diz Joukoff.
SOLCON, abreviatura para
"SOLar CONstant radiometer," é um sensor de
intensidade solar de alta precisão que
Joukoff e seus colegas mantêm no Royal
Meteorological Institute na Bélgica. Ao
abrigar o sensor da radiação ultravioleta e
raramente usando-o, eles poupam este
instrumento "padrão de ouro" da maioria dos
efeitos do envelhecimento, tornando-o num
instrumento de confiança ao longo de anos.
De alguns em alguns anos eles
enviam o SOLCON numa missão de curta duração
ao espaço para que este verifique se os
satélites de observação solar que estão em
órbita numa dada altura têm dados
coincidentes. É uma das 80 experiências
realizadas a bordo do vaivém espacial
Columbia (STS-107), que deixou a Terra a 16
de Janeiro para efectuar uma missão de
pesquisa de 16 dias. Os investigadores irão
usar o sensor nestes próximos dias para
verificar o funcionamento de dois satélites:
o SOlar and Heliospheric Observatory (SOHO)
e o ACRIM-3. Ajustados para corresponderem
ao SOLCON, os registos individuais destes
satélites e de outros podem depois ser
"cosidos" e assim formar uma história
contínua dos ciclos de brilho do nosso Sol –
uma espécie de leitura "ECG" a longo prazo
da nossa estrela pulsante.
"Este tipo de informação
possui um valor incalculável pois ajuda-nos
a compreender o passado bem como o futuro,"
nota Paal Brekke, o cientista adjunto do
projecto SOHO. "Os métodos usados há
centenas de anos para estimar a intensidade
solar, tais como a medição do carbono-14
gerado por raios cósmicos contidos nos anéis
das árvores velhas podem ser melhorados se
compararmos essas pistas hoje em dia com um
registo de satélite fiável."
Direita: Um diagrama
do instrumento do SOLCON.
O princípio do SOLCON é
idêntico ao de uma antiquada balança de dois
pratos – mas para calor em vez de massa.
Consiste em duas câmaras idênticas e um
aparelho entre elas que detecta qualquer
calor que se flua de uma câmara para a
outra. Uma câmara está aberta para a luz do
sol que entra através de uma abertura muita
precisa. A outra câmara está fechada e
aquecida apenas electricamente. Para medir a
intensidade da luz solar que entra, o
aparelho ajusta a corrente a um aquecedor
eléctrico na câmara exposta ao sol até que
nenhum calor flua entre as câmaras – ou
seja, até a "balança" estar equilibrada. A
quantidade de corrente necessária para
alcançar um equilíbrio corresponde a uma
medida da energia da luz solar. A maioria
dos sensores de intensidade solar em órbita
funciona deste modo.
Eventualmente, até mesmo o
SOLCON necessitará de ser substituído. Um
candidato a seu sucessor é o Total
Irradiance Monitor (TIM)
construído pelo Laboratory for Atmospheric
and Space Physics no Colorado. O TIM é muito
semelhante ao SOLCON, excepto que este usa
quatro câmaras em vez de duas de modo a
obter uma melhor verificação interna do
envelhecimento dos instrumentos.
A data ainda não foi marcada,
mas quando chegar o dia o sucessor irá voar
uma única missão – provavelmente uma missão
de pesquisa num vaivém como o STS-107 – em
conjunto com o velho para assim avaliar
melhor a precisão do novo sensor. Após isto
o SOLCON vai finalmente reformar-se.
O Sol, é claro, vai continuar
a existir – mas se tudo correr como o
planeado, nós não perderemos nem um
batimento.
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