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FURACÃO SEM NOME

 

2 de Abril 2004 - Os furacões são terríveis. Eles arrancam árvores do chão, arremessam carros para o ar, e derrubam casas. Os ventos podem soprar mais rápido que 160 km/h. Alguns furacões ficaram conhecidos por sugarem uma coluna de água do oceano, com 6 metros de altura, e, depois, a lançarem-se sobre a terra, inundando quilometros de costa. Na Terra não há outras tempestades tão destrutivas.

 

Direita: Um hotel em Gulfport, Mississippi, derrubado pelo furacão Camille em 1969.

 

Ou tão memoráveis. Os furacões mais poderosos são falados durante décadas, muito depois das cheias desaparecerem e as árvores crescerem de novo. Qual a criança, hoje,  no Mississipi que  não ouviu falar do furacão Camille, a tempestade monstruosa que traumatizou os seus pais em 1969? Os furacões são as únicas tempestades às quais damos nomes, como as pessoas, para nos ajudar a recordar.

 

Dar nome aos furacões também ajuda a evitar confusões. Algumas vezes há duas ou mais tempestades a acontecer ao mesmo tempo. Os meteorologistas e os seguidores das tempestades usam nomes como Camille, Hugo e David para clarificar de qual a tempestade que estão a referir. Por estas razões, todos os furacões têm o seu nome. Sempre.

 

Ou seja, até à semana passada, a 28 de Março de 2004, quando um furacão não baptizado abateu sobre o Brasil.
 

"Isto apanhou realmente todos desprevenidos," diz Robbie Hood, investigador de furacões da NASA. "Não é suposto os furacões ocorrerem nessa parte do mundo."

 

Satélites meteorológicos têm orbitado a Terra há mais de 40 anos. Durante esse tempo, localizaram furacões  (também chamados "tufões" ou "ciclones") no Oceano Atlântico Norte, e em ambos os lados do equador nos Oceanos Pacífico e Índico, mas nunca antes  no Atlântico Sul.

 

 

Esquerda: Os furacões ocorrem maioritariamente nas áreas assinaladas a preto e raramente fora dessas áreas.

 

"As variações verticais dos ventos no Atlântico Sul são demasiado fortes para os furacões," explica Hood. Os ventos na troposfera superior (a cerca de 10 km de altitude ) são 32 km/h ou mais rápidos do que os ventos à superfície dos oceanos. Esta diferença, ou variação desfaz as tempestades antes que se intensifiquem demasiado. [N.T.: Alberto Fernando, astrónomo amador, e piloto de linha aérea, anota:  "Shear" ou "wind shear" é um termo usado em aviação para designar variações, quer horizontais, quer verticais, da intensidade do vento. Quando os ventos são fortes e com rajadas, podem ocorrer grandes variações de intensidade em curtos espaços de tempo, ou seja, pode ocorrer "wind shear", neste caso, horizontal. Mas há outras situações em que o vento é bastante mais forte a uma certa altitude do que ao nível do solo. Por exemplo, podemos imaginar um vento com intensidade de 70 km/h à altitude de 500 m e de 20 km/h ao nível do solo. Teremos uma grande variação de intensidade do vento com pequenas variações de altitude. Trata-se agora de "wind shear" vertical. O "wind shear" pode ser um fenómeno perigoso e, no passado, originou mesmo alguns acidentes. Hoje os aviões estão equipados com sistemas de detecção.]

 

 

      

Um furacão típico inicia-se  como um conjunto de tempestades vulgares. Propulsionados pelo calor das águas quentes tropicais e conduzidos pelas forças de Coriolis, as tempestades rodopiam conjuntamente, unindo forças para criar uma depressão tropical... depois uma tempestade tropical... e finalmente um furacão totalmente desenvolvido. As variações de vento  no Atlântico Sul normalmente param este processo na fase de depressão tropical.

 

Há excepções. Por exemplo, em 1991, o US National Hurricane Center documentou uma tempestade tropical na costa do Congo. Durou cerca de 5 dias enquanto se desviava em direcção ao Atlântico Sul central, mas nunca atingiu a força de um furacão (o limite mínimo para um furacão são ventos de 120 km/h.)

 

Que foi diferente na tempestade de Março 2004? Porque se tornou um furacão? Ninguém sabe.

 

Atenção que a imagem demora a descarregar.

 

Acima: O furacão brasileiro a 26 de Março de 2004, como é visto pelo MOderate resolution Imaging Spectroradiometer do satélite Terra.

 

Quando a tempestade atingiu o Brasil, observadores locais nem tinham mesmo a certeza de que era um furacão. O Brasil não tem uma rede de estações meteorológicas estabelecidas em terra para medir os ventos e as chuvas das tempestades tropicais. "Não há 'caçadores de furacões' no Brasil," acrescenta Hood. "As tempestades são tão raras."

 

Contudo, os satélites espaciais, recolheram uma grande quantidade de dados. "Os satélites de órbita polar NOAA  mediram a temperatura do centro da tempestade," diz o especialista Roy Spencer em Meteorologia da Universidade de Alabama, Huntsville. "Isso informou-nos de quão rápido os ventos se estavam a deslocar." Foi um furacão de categoria 1, diz, uma estimativa confirmada pelo satélite QuickScat que mede a velocidade dos ventos. Adicionalmente, os satélites GOES da NOAA e os satélites Terra e Aqua tiraram imagens da tempestade na banda do microondas, infravermelhos, e da luz visível, permitindo aos cientistas monitorizarem os movimentos da humidade e do calor dentro da tempestade - na verdade, dados preciosos.

 

A sonda TRMM, uma missão conjunta da NASA e da agência espacial japonesa, voou sobre a tempestade várias vezes nos dias anteriores à  sua chegada a terra, e recolheu talvez os dados mais reveladores de todos. TRMM,  sigla para Tropical Rainfall Measuring Mission, transporta um radar de precipitação, o único no espaço.

 

Emitindo para baixo, através das nuvens, o radar iluminou faixas espiraladas de chuva; imagens a cores falsas da tempestade fazem lembrar a galáxia do Triângulo! Combinando os dados do radar e de microondas da sonda, os investigadores podem estimar as taxas da precipitação em todo o furacão -- da base ao topo, do centro à periferia.

 

Direita: Um mapa da precipitação do radar da TRMM ocorrida a 28 de Março no furacão do Atlântico Sul.

 

Todo este acontecimento realça as vantagens dos satélites para estudo dos furacões, especialmente quando não há aviões prontos para voar no interior das tempestades," diz Hood. "Os satélites podem monitorizar tempestade em todas as partes do mundo."

 

Mas mantém-se um problema: como os chamar? A World Meteorological Organization mantém uma lista de nomes dos furacões para todas as partes do mundo... à excepção do Atlântico Sul. Tristemente, a tempestade de 28 de Março de 2004 causou prejuízos que devem ser lembrados: 500 casas arruinadas, barcos de pesca afundados, e pelo menos duas pessoas mortas e mais de 1 500 pessoas desalojadas. Os brasileiros irão falar sobre a tempestade durante muito tempo, e desejando saber que furacões estão para vir.

 

Os furacões do Atlântico Sul precisam de nomes. Alguém algures, provavelmente, está a fazer uma lista.

 

[N.T.: Alberto Fernando, astrónomo amador, e piloto de linha aérea, aponta relativamente à altura e altitude:  Altura é um valor fixo. A Serra da Estrela tem 1991 metros de altura; eu tenho 1,73 metros de altura. Um rádio altímetro mede alturas. Envia um feixe rádio na vertical; esse sinal reflecte-se no solo e retorna ao avião; transformando o tempo de ida e volta em distância, obtemos a altura do avião ao solo. Mas a altitude está relacionada com a pressão atmosférica. Na atmosfera padrão, ao nível médio do mar, a temperatura é de 15 ºC e a pressão atmosférica é de 1 013,2 milibares. Nesta atmosfera a temperatura diminui 2 ºC por cada 1 000 pés de aumento de altitude até à tropopausa. A pressão atmosférica decresce igualmente com o aumento de altitude. Na atmosfera padrão a altitude de 10 000 metros corresponderia à altura de 10 000 metros acima do nível do mar. Mas a atmosfera padrão é só uma referência. Numa massa de ar frio o ar é mais denso e a isóbara - linha que une pontos de igual pressão atmosférica - referente a 10 000 metros estará a uma altura menor que numa massa de ar quente, que sendo mais rarefeito, é menos denso. Ou seja, para a mesma altitude, teremos alturas diferentes. Isto é evidente nos aviões equipados com Global Positioning System. Em rotas bastante a Norte, portanto em massas de ar frio, a altura indicada pelo GPS é inferior à altitude do avião, enquanto que, voando na direcção do equador, portanto em massas de ar quente a altura é significativamente superior à altitude.]

 

Um furacão sem nome que passou a ser o furacão Catarina fazendo referência ao estado do Brasil sobre o qual o furacão se abateu. Na realidade, a partir do momento em que o furacão foi detectado e reconhecido como tal,  foi imediatamente baptizado de Catarina.

 

LINKS

 

Rare South Atlantic Tropical Cyclone  da GSFC.

Surprise "Hurricane" Forms in the South Atlantic  da NASA/TRMM.

Worldwide Tropical Cyclone Names  da NOAA.

Robbie Hood  da NASA/MSFC e Roy Spencer da UAH trabalham conjuntamente no Global Hydrology and Climate Center em Huntsville, Alabama.

Hurricanes  da Universidade de Illinois. Esta página inclui uma boa discussão e animação sobre variação vertical do vento.

Os satélites da NASA que observaram o "furacão sem nome" incluem TRMM, QuikScat, Terra e Aqua.
 

 

 

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