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A CURIOSA HISTÓRIA DO ASTERÓIDE HERMES

 

31 de Outubro 2003 -  Há cerca de 65 milhões de anos, um asteróide atingiu a Terra e exterminou os dinossauros: esta afirmação é, hoje em dia, um dogma. Mas em 1980, quando os cientistas Walter e Luiz Alvarez apresentaram a ideia numa reunião da American Association for Advancement of Sciences,, os seus ouvintes mostraram cepticismo. Asteróides a embater na Terra? A extinguir espécies? Inacreditável.

 

Direita: Parte de "Dino Killer" pelo artista Don Davis.

 

Sem que a audiência dessa reunião desse conta, nesse preciso momento, algures entre Marte e Júpiter, um asteróide de nome Hermes começava um longo mergulho na direcção do nosso planeta. Seis meses mais tarde passaria a cerca de 500 000 quilometros da órbita da Terra, apenas um pouco mais distante do que a Lua. Teria sido, em termos de retórica, um grande ponto a favor dos Alvarez. Mas, curiosamente, ninguém se apercebeu da passagem do asteróide.

 

Não foi essa a primeira vez que Hermes passou despercebido. Trata-se de um asteróide de dimensões razoáveis, fácil de detectar visualmente, e visitante frequente das proximidades da Terra. Porém, os astrónomos tinham-se habituado a ignorá-lo. Como se chegou a essa situação é uma história curiosa, que remonta à Alemanha, nas vésperas da II Guerra Mundial.

 

A 28 de Outubro de 1937, o astrónomo Karl Reinmuth, de Heidelberg, reparou num invulgar traço luminoso numa imagem do céu nocturno que tinha acabado de obter. Era um asteróide, tão brilhante como uma estrela de 9ª magnitude, próximo da Terra e movendo-se a grande velocidade – tão veloz que foi baptizado de Hermes, o arauto dos deuses do Olimpo. A 30 de Outubro, Hermes passou a cerca de duas vezes a distância Terra-Lua, atravessando o céu à velocidade de 5 graus por hora. Só os meteoros e os satélites artificiais se movem mais rapidamente.

 

Muitos asteróides eram já conhecidos em 1937, mas a maioria eram pacatos membros da cintura de asteróides, orbitando o Sol muito para além de Marte. Hermes era diferente. Fazia visitas à zona interna do Sistema Solar. Atravessava a trajectória orbital da Terra. Provava que os asteróides se podiam aproximar perigosamente do nosso planeta. E, quando chegavam, vinham muito depressa.

 

Reinmuth observou-o durante cinco dias. Depois, em poucas palavras, perdeu-o.

 

Hermes aproxima-se da órbita da Terra duas vezes em cada ciclo de 777 dias. Normalmente o nosso planeta está muito longe quando esses cruzamentos acontecem, mas em 1937, 1942, 1954, 1974 e 1986, Hermes passou assustadoramente próximo da Terra. Só sabemos desses quase-encontros porque o astrónomo Brian Skiff, do Lowell Observatory, redescobriu Hermes... a 15 de Outubro de 2003. Desde então os astrónomos de todo o mundo têm-no mantido sob cuidadosa vigilância. Steve Chesley e Paul Chodas, especialistas em órbitas do JPL da NASA, utilizaram estas novas observações para determinar a trajectória de Hermes no passado, e assim identificaram todas as passagens próximas até hoje ignoradas.

 

Acima: Este filme, obtido por Brian Skiff no Observatório Lowell, mostra Hermes movendo-se por entre as estrelas em Outubro de 2003.

 

Afirma Chodas, "É um pouco perturbante. Hermes aproximou-se da Terra tantas vezes, e nem sequer fazíamos ideia disso."

 

E acrescenta, "A órbita de Hermes é a mais caótica entre as de todos os asteróides próximos da Terra." Tal sucede porque o asteróide sofre frequentemente a influência gravitacional da Terra. Por vezes, Hermes faz também passagens próximas a Vénus. Em 1954, o asteróide aproximou-se dos dois planetas. "Isso baralhou completamente a órbita," diz Chodas. Estes encontros frequentes com a Terra e Vénus tornam difícil prever a órbita de Hermes para além dos próximos cem anos. As boas notícias são que, durante esse período, "Hermes não se vai aproximar da Terra mais do que cerca de 0.02 UA." Por agora, estamos seguros.

 

Abaixo: A órbita elíptica do asteróide Hermes (a vermelho) trá-lo à zona interna do Sistema Solar a cada 777 dias.

 

 

Usando as efemérides calculadas no JPL, podemos olhar para o passado e perceber o que se passou em 1937, quando o asteróide foi perdido. Assim, é compreensível:

 

Quando Reinmuth detectou Hermes, este aproximava-se da Terra vindo da direcção da cintura de asteróides. A princípio foi fácil observá-lo, já que a sua face iluminada estava virada para a Terra. Porém, o veloz Hermes depressa atravessou a órbita do nosso planeta, e começou a apresentar-lhe a sua face nocturna. Os asteróides são quase pretos como o carvão, e os seus lados nocturnos são muito escuros. A 3 de Novembro, seis dias depois de ter sido descoberto, a magnitude do asteróide tinha descido de 9 para 21, cerca de 60000 vezes menor. Chodas nota ainda que "Para piorar as coisas, Hermes movia-se na direcção do brilho do Sol." Hermes tinha desaparecido literalmente.

 

Ninguém pareceu preocupar-se muito. Em 1937 a II Guerra Mundial desenhava-se no horizonte da Europa, e as pessoas tinham muito em que pensar. Hermes pouco interessava.

 

"Os astrónomos da época tinham talvez uma ideia preconcebida. As colisões eram demasiado raras para merecerem consideração. Uma vez que o catastrofismo não estava em voga, Hermes não lhes mudou a opinião," afirma Chodas.

 

Mas actualmente está – muito por causa do cometa Shoemaker-Levy 9 (SL9), descoberto por quem procurava Hermes. Encontrado em 1993 por Gene e Carolyn Shoemaker e David Levy, o SL9 chocou com Júpiter a 14 de Julho de 1994, com todo o mundo a assistir através da CNN. Muito antes da colisão, o SL9 tinha sido fragmentado pela poderosas forças de maré do gigantesco Júpiter. Os maiores dos fragmentos, por coincidência com aproximadamente as mesmas dimensões que Hermes,  explodiram com tal força quando atingiram Júpiter que se formaram na atmosfera deste nuvens escuras tão grandes como a Terra.

 

Direita: O local do impacto de um dos fragmentos do SL9 no topo das nuvens jupiterianas.

 

Uma mensagem de Júpiter: as catástrofes acontecem.

 

David Levy relembra, "O Gene sempre achou que Hermes devia ter tido um efeito maior do que teve na altura, e ele e a mulher, Carolyn, estavam sempre a ver se o encontravam." Shoemaker era um visionário, que compreendeu muito antes da maioria que os asteróides e cometas representam uma ameaça permanente à Terra. Nos fins da década de 70, ele e alguns colegas começaram uma busca de objectos próximos da Terra utilizando um telescópio de 45 cm do Observatório de Palomar. Durante muito tempo, foi a única pesquisa do género a decorrer no planeta.  Descobriram-se dúzias de asteróides e cometas, incluindo o SL9 – mas não Hermes. Levy nota, "Quando Hermes passou pela Terra em 1986 (um encontro só identificado a posteriori por Chodas) devia ter-nos sido fácil descobri-lo, mas na altura o telescópio estava em reparação." Shoemaker morreu em 1997, sem saber quão próximo estivera de recuperar Hermes.

 

E agora os astrónomos amadores de todo o mundo podem fazer algo que Gene Shoemaker nunca conseguiu – ver Hermes.

 

O asteróide aproxima-se rapidamente da Terra, e a 4 de Novembro passará nas proximidades do nosso planeta, a cerca de 18 vezes a distância Terra-Lua. Brilha já como uma estrela de 13ª magnitude – um alvo fácil para telescópios de 8" (20 cm) equipados com câmaras de CCD. Para onde deve apontar o seu telescópio? Para saber a resposta, consulte as efemérides do JPL.

 

Esquerda: Este eco de radar com dois picos, obtido pelo radiotelescópio de Arecibo em Porto Rico, revela-nos que o asteróide Hermes é, de facto, binário.

 

 

Nestas últimas semanas, um grupo de astrónomos financiados pela NASA e liderado por Jean-Luc Margot da UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles) tem dirigido impulsos de radar na direcção do asteróide, a partir da antena gigante de Arecibo, em Porto Rico. Foi descoberto que Hermes, afinal, é um asteróide duplo – dois corpos rochosos semelhantes, com cerca de 400 m de diâmetro, em órbita recíproca. Ninguém sabe porque razão Hermes tem esta configuração. Margot e os seus colegas esperam descobrir mais quando o asteróide passar próximo da Terra, no dia 4 de Novembro, já que as observações vão continuar, usando quer a antena de Arecibo quer o radar da NASA em Goldstone.

 

Agora que Hermes conseguiu despertar a nossa atenção, talvez tenha algumas coisas para nos ensinar.

 

LINKS

 

 NASA's Near-Earth Object Program  da JPL. O local indicado para começar a procurar informações sobre asteróides e cometas que se aproximam da Terra.

Asteroid Hermes Ephemeris  da JPL. Use esta ferramenta para saber em que região do céu estará Hermes durante esta semana. Veja também a  3D orbit of Hermes.

1937 UB  da NeoDys. Hermes é também conhecido como 1937 UB. Veja este site para obter mais informações sobre a órbita e as aproximações a planetas.

Recovery of 1937 UB (Hermes)  do Lowell Observatory.

Radar observations of long-lost asteroid Hermes  da UCLA. O site de Jean-Luc Margot oferece as mais recentes informações sobre as observações de Hermes com o radar.

Near-Earth asteroid Hermes re-spotted, 66 years later  do Lowell Observatory. Comunicado para a imprensa.

Asteroid Hermes is found to be two objects orbiting each other  da Cornell University. Comunicado para a imprensa.

 

 

 

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