SUPERNOVAS PRÓXIMAS
DA TERRA
6
de Janeiro 2003 -
O
Austrolopithecus... olhou de soslaio para o
céu azul africano.
Antes ele nunca tinha visto uma estrela
em plena luz do dia, mas ele conseguia ver
uma hoje. Branca. Penetrante. Não tão
brilhante como o Sol, mas ainda assim mais
brilhante que a Lua cheia. Era perigosa? Ele
olhou fixamente durante muito tempo,
intrigado, mas nada aconteceu, e passado
algum tempo ele atravessou a savana
despreocupado.
Milhões de anos mais
tarde, nós sabemos o que se passou.
"Aquela estrela era
uma supernova, uma das muitas que explodiu
na nossa parte da galáxia durante os últimos
10 milhões de anos," afirma o astrónomo
Mark Hurwitz
da University of California - Berkeley.
Acima:
Ancestrais
humanos, despreocupados pelas luzes invulgares
no céu diurno. Esta imagem baseia-se numa
pintura incluída em The Economist.
As supernovas
próximas da Terra são raras hoje, mas
durante a época Plioceno do
Austrolopithecus
as supernovas sucediam mais frequentemente. A sua
fonte era uma nuvem interestelar chamada "Sco-Cen"
que estava lentamente a deslizar pelo
Sistema Solar. No seu interior, nós densos
coalesceram para formar estrelas maciças de
vida curta, que explodiram como pipocas.
Os
investigadores estimam (com considerável
incerteza) que uma supernova a menos de 25
anos-luz de distância extinguiria uma grande
parte da vida na Terra. A explosão não
precisaria de incinerar o nosso planeta.
Bastariam os raios cósmicos para danificar a
camada de ozono e permitir a entrada de
doses letais de radiação ultravioleta. Os
nossos ancestrais sobreviveram às explosões
ocorridas durante o Plioceno simplesmente
porque as supernovas não estavam assim tão
próximas.
Nós temos
conhecimento desse facto
porque hoje ainda podemos ver a nuvem. Está
localizada a 450 anos-luz da Terra e a
recuar na direcção das constelações Scorpius
e Centaurus (daí o nome da nuvem, "Sco-Cen").
O astrónomo Jesús Maíz da Johns Hopkins
University recentemente seguiu o movimento
de Sco-Cen e mediu a sua distância mais
próxima: 130 anos-luz há cerca de 5 milhões
de anos.
Sco-Cen
estava ainda próximo há dois milhões de anos
quando uma grande parte do plâncton,
moluscos e outros seres vivos marinhos
sensíveis à radiação ultravioleta morreram
misteriosamente. Os paleontólogos marcam
este acontecimento como a transição entre as
épocas Plioceno e Pleistoceno. Na mesma
altura, segundo os cientistas alemães que
examinaram sedimentos da plataforma oceânica
pertencentes à época Plioceno, a Terra
estava salpicada com Fe60 (ferro), um
isótopo produzido por explosões de
supernovas.
Coincidência?
Ninguém sabe.
É um puzzle que os cientistas ainda
estão a juntar.
Reconstruir
a história de supernovas próximas da Terra é
difícil porque as supernovas antigas são
ardilosas. As suas camadas incandescentes
desaparecem gradualmente até à
invisibilidade em pouco mais do que um milhão
de anos. As estrelas de neutrões, os núcleos colapsados de progenitores de supernovas,
duram mais, mas elas são lançadas
através da galáxia por assimetrias na
explosão. Isótopos invulgares de ferro, como
os que coincidem com os da extinção marinha,
são difíceis de encontrar enterrados sob
milhões de anos de sedimentos.
Há,
contudo, um vestígio óbvio: "Todas aquelas
explosões atiraram uma enorme bolha
para o meio
interestelar," diz Hurwitz, "e nós estamos
dentro dela."
Os astrónomos
chamam-lhe "Local Bubble". Tem a forma de
um amendoim, com 300 anos-luz de comprimento, e
preenchida com quase nada... O gás no
interior da bolha é muito pouco denso (0,001 átomos
por centímetro cúbico) e muito quente (um
milhão de graus Celsius). É 1000 vezes menos
denso e 100 a 100000 vezes mais quente que
qualquer material interestelar vulgar.
A "Local
Bubble"
foi descoberta gradualmente nas décadas de
70 e 80. Os astrónomos ópticos e rádio
procuraram cuidadosamente por gás
interestelar na nossa parte da galáxia, mas
não conseguiram descobrir grande coisa na vizinhança da
Terra. Mais longe, parecia ser um amontoado
de gás - como a camada de uma bolha - com
cerca de 150 anos-luz de comprimento.
Entretanto, os astrónomos de raios-X estavam
a olhar para o céu pela primeira vez usando satélites em órbita, que
revelaram um brilho de raios-X com milhões
de graus kelvin
vindo de todas as direcções. "Nós, eventualmente,
percebermos que o Sistema Solar está no interior
de uma bolha quente no vácuo," diz Hurwitz.
Talvez ainda esta semana [Nota do
tradutor: semana de 6 a 11 de
Janeiro 2003] a NASA planeia lançar um
satélite - Cosmic Hot Interstellar
Plasma Spectrometer, ou
"CHIPS"
- para
estudar a "Local Bubble". "Há uma série de
coisas que não sabemos acerca dela," diz Hurwitz,
que é o cientista líder da missão. Qual a
idade da bolha? Qual é a sua geografia
interna? O quão rápido está a arrefecer? Os
dados do CHIPS ajudarão a responder a estas
questões.
CHIPS
orbitará a Terra e perscrutará a bolha usando
um telescópio que capta radiação
ultravioleta. "O gás na bolha é muito
brilhante em comprimentos de onda
ultravioleta extremos por volta dos 170
Ångstrom,"
explica Hurwitz. Outros satélites examinaram
a luz ultravioleta da bolha, mas CHIPS é
melhor. Tem um espectrómetro a bordo com 100
canais variando de 90
Å a 260
Å. "O
espectrómetro é a chave," diz Hurwitz.
Como os
sedimentos no Oceano Pacífico, o gás na
"Local Bubble" contém ferro produzido pela
supernova. "Os átomos de ferro na bolha
perderam muitos dos seus electrões -
atingidos e desprendidos por colisões no interior do gás
quente." O espectrómetro do CHIPS será capaz
de detectar linhas espectrais de átomos de
ferro que perderam 8, 9, 10, 11 electrões,
respectivamente. Ao comparar a intensidade das
quatro linhas espectrais, os investigadores
podem mapear a temperatura e densidade do
gás na bolha.
Abaixo:
O espectro
CHIPS, simulado por computador, da radiação do
extremo ultravioleta do gás quente da "Local Bubble".
"Se nós
descobrirmos uma mancha quente," diz Hurwitz,
"pode ser a localização da mais recente
supernova." Os espectros dirão também aos
investigadores o quão rápido o gás está a
arrefecer e consequentemente as idades das
diferentes partes da bolha. Um nó de gás
arrefecendo rapidamente que está ainda
quente deve ser bastante jovem, por exemplo.
Explorar a
geografia interna da bolha é importante
porque o que está situado no seu interior pode
afectar o futuro do nosso planeta.
Durante os
últimos milhões de anos, filamentos soltos de
gás interestelar deslocaram-se para o interior
da "Local Bubble". O nosso Sistema Solar está
imerso num desses filamentos - o "tufo
local", uma nuvem relativamente fria (7000
K) contendo 0,1 átomos por centímetro
cúbico. Para os padrões galácticos, o tufo local não é muito substancial. Tem
pouco efeito na Terra porque o vento solar e
o campo magnético do Sol são capazes de
manter essa nuvem à margem.
Há, contudo,
nuvens mais densas, lá fora. O complexo
Sco-Cen, por exemplo, está a enviar uma
corrente de "nuvenzinhas" interestelares
na nossa direcção. "Algumas dessas
pequenas nuvens podem ser centenas de vezes mais
densas que o tufo local," diz Priscilla
Frisch, uma astrofísica na the University of
Chicago que estuda o meio interestelar
local. "Se nós nos encontrássemos com uma nuvem,
esta comprimiria o campo magnético do Sol e
permitiria que os raios cósmicos penetrassem
no Sistema Solar interior, com efeitos
desconhecidos para o clima e vida."
Direita:
Uma concepção
artística do tufo local.
O CHIPS será
capaz de localizar nuvens densas interestelares
pelas sombras que estas projectam. As
nuvens frias são parcialmente opacas ao
brilho ultravioleta da bolha, por isso elas
parecem áreas escuras nos mapas do CHIPS. Hurwitz nota que os primeiros mapas celestes
da missão serão bastante grosseiros, com uma
resolução de 5º x 25º. (O "carro" da Ursa
Major - composto por quatro estrelas: Dubhe,
Merak, Phecda e Megrez, por comparação, tem cerca de 10º de
comprimento.) Só as maiores nuvens
aparecerão nesses mapas. Mais tarde, se a
missão se estender para além do seu
primeiro ano, o CHIPS terá tempo para produzir
mapas mais precisos com uma resolução de 5º x 6º.
Frisch notou
que o Homo sapiens apareceu só depois
do meio interestelar local ter dissipado.
Poucas nuvens para atravessar no nosso
caminho promoveram um
clima mais estável para o nosso planeta,
argumenta ela. Portanto talvez o que os
Austrolopithecus
viram tenha
sido um
bom presságio, afinal...
CHIPS ajudar-nos-á
a descobrir!
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