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BIOSENTINELAS DNA

 

7 de Outubro 2003 -  Numa panela com água a ferver, o esparguete emaranha-se em confusão. Mas digamos que queremos ver mais de perto um pedaço da massa. É simples: basta que prendamos um fio à volta de uma colher de pau, e verificamos que é fácil esticá-lo.

 

A bio-engenheira Susan Muller, da Universidade da Califórnia em Berkeley, quer fazer o mesmo ao DNA, e conta com o apoio da NASA.

 

Quando investigadores recebem uma amostra de DNA para análise, a maior parte das vezes esta não passa de um emaranhado de cadeias enroladas – tal e qual o esparguete na panela. Para a analisar, eles cortam as cadeias aos pedaços, clonam os fragmentos, sequenciam-nos, ordenam-nos segundo o tamanho que apresentam e, por fim, encaixam-nos de novo uns nos outros. Em resumo, trata-se de um processo complexo e demorado.

 

Muller e o seu colega Eric Shaqfeh estão a desenvolver uma metodologia mais directa – uma forma de esticar uma cadeia simples de DNA, por forma a que um normal microscópio de laboratório possa servir para a analisar.

 

Porque está a NASA interessada? Porque os astronautas têm DNA.

 

Direita:  O desenho mostra os efeitos sobre o DNA de um bombardeamento por iões pesados (cor lilás) vindos do espaço.

 

"No espaço, os astronautas estão expostos a radiação, e esta pode provocar danos no seu DNA," explica Frank Cucinotta do Programa de Radiação Espacial da NASA. Uma preocupação especial tem a ver com os raios cósmicos pesados – por exemplo, núcleos energéticos de átomos de ferro – [N. T.: Optou-se por  traduzir "heavy cosmic rays" como raios cósmicos pesados. Convém dizer que os raios cósmicos são partículas altamente energéticas e compostas de protões, electrões e núcleos atómicos cujos electrões foram arrancados dos átomos dada as altas velocidades dos raios cósmicos através do meio interestelar. Sendo assim uma possível tradução seria raios cósmicos constituídos por núcleos de elevado peso atómico.] que são capazes de atravessar o DNA como minúsculas balas de canhão, provocando lesões complexas a que se dá o nome de "danos agregados no DNA". [N. T.: No original surge como "clustered DNA damages" o qual se refere a danos de DNA que possuem várias ligações num mesmo local, isto é, a passagem de radiação altamente energética faz com que num local restrito do DNA se dêem várias alterações (oxidações, mudanças de bases, cortes na cadeia, entre outros). As alterações em questão são, por razões óbvias, difíceis de reparar e têm um potencial mutagénico, cancerígeno ou letal muito elevado. O problema nas traduções destes termos é que  normalmente não há consenso. No entanto, tendo em conta o tipo de lesão tratado, um "cluster DNA damage" é um agrupamento de lesões num dado local do DNA. Sendo assim traduções como "conjunto lesionado de DNA" ou ainda "lesão de grupo de DNA" são aceitáveis. Ressalve-se, no entanto, que, apesar de tudo, não há nenhum termo aceite para "clustered DNA damages.]

 

"Sabemos que as células terrestres não evoluíram de forma a serem capazes de reparar esse tipo de danos," diz. São necessários novos instrumentos de análise do DNA "para estudar o problema e encontrar forma de o remediar."

 

Para conseguir prender o DNA de forma a estudá-lo, Muller utiliza um fluxo de fluido cuidadosamente preparado, num instrumento que tem apenas alguns milímetros de comprimento. Um dispositivo de fluxo, com as suas pequenas bacias e canais de ligação, pode ter um desenho simples ou labiríntico. Por exemplo, a forma em cruz, em que o fluido entra por dois braços e sai pelos braços opostos, é muito eficaz no alongar do DNA. O dispositivo de Muller é bastante mais complicado; não se limita a esticar o DNA, também permite fazer a marcação do DNA com marcadores fluorescentes e fotografar as cadeias brilhantes.

 

Direita: Em (A) vê-se um microdispositivo de fluxo, criado por A. Deshmukh e colaboradores. O elemento central flutua livremente, e pode ser arrastado pelo fluido. Em (B), as linhas brilhantes evidenciam as trajectórias do fluido através do dispositivo. "O fluxo foi marcado com microesferas fluorescentes," explica Muller. "Foram tiradas fotografias de longa exposição, para revelar os detalhes do fluxo."

 

O DNA com que ela está a trabalhar provém de um vírus que ataca bactérias. "É um DNA muito popular para os bio-engenheiros," afirma. "Possui cerca de 48000 pares de bases (ou 48000 degraus na escada que é o DNA). Em condições de quiescência, apenas flutuando na solução, tem cerca de 0,7 microns de comprimento. Mas se o esticarmos totalmente chega perto dos 22 microns" – cerca de 10 vezes maior do que uma bactéria típica.

 

Para esticar e manter nessa situação as frágeis cadeias, uma rede de barreiras cuidadosamente espaçadas interrompe o fluxo. "Se tivermos uma floresta de barreiras no fluxo – um pequeno grupo de obstáculos – o DNA serpenteia entre eles, prende e estica-se ao tentar desligar-se deles," explica.

 

Uma vez que uma cadeia esteja esticada, Muller utiliza marcadores fluorescentes que localizam e se ligam a áreas interessantes no DNA. O estiramento facilita aos investigadores a tarefa de localizar os marcadores. E torna também mais fácil a busca dos alvos pelos marcadores, já que quando o DNA está esticado estes não têm que atravessar as massas de DNA enrolado.

 

Direita: Imagens de moléculas individuais de DNA atravessando o dispositivo de fluxo, nas posições indicadas pelas letras A a G. "O DNA é esticado e reorientado pelo fluxo. O estiramento é maior nas regiões de grande aceleração do fluxo," afirma Muller.

 

Proteger os astronautas da radiação existente no espaço profundo é um problema ainda por resolver, mas que tem que ser enfrentado para que essa exploração possa ter lugar. A maior parte das abordagens a esta questão centram-se na blindagem e na redução da exposição dos astronautas.

 

O trabalho de Muller sugere a possibilidade de encontrar astronautas que sejam eles próprios mais resistentes. Tal como algumas versões de genes são mais propícias a mutações que levam a problemas como o cancro da mama, outras poderão ser mais facilmente danificadas pela intensa radiação do espaço profundo. "Podemos talvez usar este instrumento para procurar indivíduos que não estejam em grande risco no que diz respeito a estes tipos particulares de mutações," especula. "Teríamos que procurar certos genes, ou mesmo certas sequências no seio de um gene, que estejam correlacionadas com ‘ resistência à radiação ’ "

 

Dada a natureza directa do método, poderá talvez conduzir a uma nova tecnologia: analisadores portáteis de DNA. Os astronautas em viagens de longa duração poderão levá-los e testar os seus próprios genes em busca de danos provocados pela radiação. Ao primeiro sinal de problemas poderão assim tomar medidas: evitar actividades extra-veiculares, ou mesmo passar o resto da viagem nas zonas mais fortemente blindadas da nave.

 

As "biosentinelas" do DNA, como lhes chama Muller, podem beneficiar outras pessoas além dos astronautas. Os dispositivos poderão ser usados para examinar os genes de qualquer pessoa e verificar, por exemplo, se existe a tendência para desenvolver uma determinada doença, ou para reagir de dada forma à medicamentação. Investigadores em medicina, criminologistas, produtores farmacêuticos, todos eles gostariam de ter um.

 

Isso, porém, é o futuro. Entretanto, diz Muller, "há imensa ciência básica, fundamental, que vai ser desenvolvida enquanto tentamos compreender o uso de fluxos para manipular moléculas de grandes dimensões. Há ainda muitos desafios a solucionar até que este processo funcione perfeitamente, e muitas perguntas interessantes para as quais vamos ter de encontrar respostas, ao longo do caminho."

 

LINKS

 

O projecto de investigação de Muller, actualmente a ser desenvolvido e intitulado "Um bio-sensor para a sequenciação de moléculas individuais de DNA," é financiado pelo Office of Biological and Physical Research da NASA.

Susan J. Muller  professora da Chemical Engineering da Universidade da Califórnia em Berkeley.

Clique para ver um diagrama esquemático de um microdispositivo para sequenciação de cadeias simples de DNA, com barreiras para prender as moléculas. "Estamos a experimentar diferentes arranjos para as barreiras, fazendo variar o espaçamento e a densidade das barreiras," diz Muller.

O microdispositivo de fluxo apresentado no texto principal é uma válvula de controlo. O elemento central flutua livremente e pode ser arrastado pelo fluido para posições de aberto e fechado, de acordo com a direcção do fluxo. Foi desenhado por A. Deshmukh e colaboradores. Referência bibliográfica: A. Deshmukh, D. Liepmann, and A.P. Pisano, "Continuous Micromixer with Pulsatile Micropumps," IEEE Workshop on Solid-State Sensor & Actuator Workshop, Hilton Head, SC., 2000.

ABC do DNA: Primer on Molecular Genetics (Human Genome Project); DNA from the Beginning (Cold Spring Harbor Laboratory); How to Extract DNA from Anything Living (Genetic Science Learning Center); Cracking the Code of Life (PBS).

Voyage of the Nano-surgeons  da Science@NASA. Cientistas financiados pela NASA estão a desenvolver minúsculas sondas capazes de entrar no corpo humano e resolver os problemas - ao nível celular.

The Phantom Torso  da Science@NASA. Um invulgar viajante espacial orbita a Terra a bordo da ISS. O seu nome é Fred e a sua missão: proteger os astronautas da radiação do espaço.

The Right Stuff for Super Spaceships  da Science@NASA. Investigadores pretendem proteger os astronautas da radiação espacial graças a materiais resistentes inseridos no revestimento das naves.

 

 

 

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