O "CUSPIR" DO SOL
8
de Janeiro 2003 -
Pegue num
pedaço de papel. Faça uma pequena bola de
papel. Se for uma criança, cuspa nela.
Coloque-a num canudo e sopre com força.
Se o teu professor te
enviar para o Conselho Executivo aqui está a
tua desculpa: tu estavas a fazer um modelo
de protões relativísticos acelerados na
frente de choque de uma ejecção de massa
coronal solar (CME). Fizeste-o em nome da
ciência.
Realmente. As
explosões solares e os papéis enrolados com
saliva têm algo em comum. Os CMEs lançam
partículas subatómicas através do Sistema
Solar aproximadamente à velocidade da luz.
Essas partículas são guiadas, como algo que
é cuspido por um canudo, pelo campo
magnético do Sol.
Acima:
A sonda
SOHO
registou esta ejecção de massa coronal a 14
de Julho de 2000. Partículas de alta energia
aceleradas pela explosão salpicaram a câmara
da sonda e enevoaram a sua vista.
O Sol é um
íman do tamanho de uma estrela; o seu campo
magnético permeia o sistema solar desde
Mercúrio a Plutão e para além dele. Nós não
o sentimos aqui na Terra apenas porque o
nosso campo magnético é localmente mais
forte – mas no espaço interplanetário, o
campo magnético do Sol prevalece.
Porque o Sol
gira em torno do seu eixo (todos os 27 dias)
o campo magnético do Sol entre os planetas
tem uma forma espiral. Os investigadores
chamaram-lhe "a espiral de Parker" pois foi
este físico que primeiro o descreveu. Usando
a espiral de Parker, "os previsores do tempo
espacial podem prever para onde as
partículas solares se dirigirão," explica o
físico solar Ming Zhang do Florida Institute
of Technology. É uma coisa boa, dizem, para
os astronautas que andam no espaço, que
querem saber quando uma tempestade de
radiação está a caminho para que possam ir
para o interior da nave espacial.
Mas Zhang e
colegas recentemente descobriram algo
preocupante. As partículas solares nem
sempre seguem a espiral de Parker como se
pensava que acontecia.
"Nós
aprendemos isso," diz Zhang, "usando a sonda
Ulysses."
Esquerda:
O campo magnético em espiral do Sol tal como
é perspectivado a cerca de 100
UA de distância.
Ulysses é uma
missão conjunta da ESA e NASA para estudar o
Sol. A sonda deixou a Terra em 1990 e passou
por Júpiter dois anos mais tarde – um
encontro que lançou a nave a norte do
plano orbital dos nove planetas. A orbita
circulante de Ulysses levou-a em torno do
sol, e até mesmo acima dos seus pólos, que
era exactamente o que os cientistas queriam.
"Aqui da
Terra nós vemos o Sol numa só direcção – o
seu equador," explica Zhang. "Ulysses
permite-nos olhar para a actividade solar de
muitas direcções."
Tal aconteceu
a 14 de Julho de 2000 – dia da Bastilha em
França – quando uma poderosa explosão
sacudiu o Sol. A sua origem foi uma mancha
solar 20 vezes maior que a própria Terra.
Durante dias, as linhas do campo magnético
acima da mancha tinham vindo a cruzar-se
gradualmente. A tensão cresceu até que, como
uma tira de borracha esticada em demasia, as
linhas de força quebraram – explosivamente.
Uma onda de
radiação electromagnética causou bloqueios
da rádio na Terra durante horas. A explosão
também lançou uma nuvem de gás maciça (uma
CME) na direcção da Terra, a qual, quando
passou pelo nosso planeta dois dias mais
tarde, desencadeou auroras tão a sul como o
Texas. Na extremidade da CME, uma onda de
choque acelerou as partículas subatómicas
aproximadamente à velocidade da luz. As
linhas de forças magnéticas guiaram-nas até
à Terra onde temporariamente incapacitaram
alguns satélites e destruíram um (o Japanese
Advanced Satellite for Cosmology and
Astrophysics) por completo.
Ulysses
observou estes acontecimentos bem acima (3
UA) do Hemisfério Sul do Sol. "A sonda
estava a uma latitude heliográfica de 60º S.
A explosão deu-se a 22º N – quase
directamente em linha com a Terra," diz
Zhang. Você pode visualizá-lo deste modo:
imagine que o Sol tinha continentes e países
tal como o nosso planeta. A explosão
aconteceu na Arábia Saudita, a Terra estava
a olhar para o Quénia equatorial e a Ulysses
estava a pairar sobre a Península
Antárctica.
O ponto de
vista da Ulysses, olhando de lado para uma
explosão que arrasou a Terra quase de
frente, foi a chave para a descoberta da
Zhang.
Direita:
A alta órbita polar da
Ulysses levou-a para uma latitude solar
máxima de 80,2º S.
Apesar da
explosão não ter acontecido na direcção da
Ulysses, a sonda estava ligada à CME em
expansão por linhas do campo magnético
solar. "No princípio, os protões acelerados
pela CME chegaram da direcção que nós
esperávamos," afirma Zhang. "Eles seguiam a
espiral de Parker." Mas algumas horas mais
tarde a Ulysses foi atingida de lado por uma
onda de protões de 90º de distância.
A bola de
papel com saliva tinha cavado uma galeria
através do canudo!
"O nome
técnico para este facto é difusão
cross-field," diz Zhang. "Acontece quando os
campos magnéticos emaranham-se." As próprias
partículas conseguem desviar ou "difundir"
de uma linha espiralada de força para outra.
"Muito cedo estão a mover-se em direcções
inesperadas," diz ainda.
Isso é
perturbante, diz Zhang, porque as partículas
subatómicas aceleradas pela CME podem ser
"piores que a radiação de bombas nucleares."
As previsões sobre a direcção que as
partículas tomarão é crucial para a
segurança dos astronautas e satélites. Os
nanosatélites, um novo tipo de sonda em
miniatura em desenvolvimento, são
particularmente vulneráveis, afirma Zhang.
Os seus componentes electrónicos minúsculos
podem ser inutilizados por um só protão ("os
iões pesados ainda são mais eficientes,"
nota ele) – apesar dos nanosatélites poderem
sobreviver a uma tempestade de radiação
simplesmente desligando os sistemas
sensíveis até que a tempestade passe.
Esquerda:
Os astronautas que andam no
espaço necessitam de boas previsões de
tempestades solares.
Os
investigadores desenvolveram modelos em
computador para prever o início de
tempestades de radiação após explosões
solares e CMEs, "mas raramente incluem
difusão cross-field," diz Zhang. "É difícil
incluir," explica ele, "porque a difusão
cross-field é um processo complicado que
acontece onde os campos magnéticos estão
emaranhados – por outras palavras, onde a
espiral de Parker não está propriamente
correcta." A maioria do nosso Sistema Solar
é território por explorar, por isso os
investigadores não sabem onde estão os
emaranhados.
"Ainda temos
muito que aprender," conclui ele. Como
funciona a difusão cross-field? Onde é mais
provável que aconteça? Com alguma ajuda da
Ulysses, "nós vamos descobrir as respostas."
LINKS |
Ulysses
da JPL. Aprenda mais sobre a história e
acções desta missão de 12 anos. As
medidas descritas nesta história foram
realizadas pelo instrumento
COSPIN da
sonda. Veja também o
site da Ulysses
da Agência Espacial Europeia.
Os campos magnéticos emaranhados
são a causa da difusão cross-field.
Clique
aqui para aprender como o campo
magnético do Sol, que
se move em espiral no interior
do Sistema Solar, fica emaranhado. A
imagem abaixo ilustra uma
espiral de Parker ideal (esquerda) e
uma simulação computorizada do
verdadeiro
campo magnético interplanetário
(direita).
Space Radiation Storm
da Science@NASA. Esta história, avisando
os leitores de possíveis auroras, foi
publicado horas depois das explosões no
dia da Bastilha em 2000.
Watching the Angry Sun
da Science@NASA. Meses depois de ter
acontecido, os cientistas reviram o
acontecimento do dia da Bastilha.
The Sun Does a Flip
da Science@NASA. Quer aprender mais
sobre o assombroso campo magnético do
Sol? Esta história é um bom local para
iniciar o seu estudo.
SpaceWeather.com
notícias diárias acerca de CMEs,
explosões solares e o interacção
Sol-Terra.
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