21/01/2004
O maior desafio para um astrónomo amador é
manter esta admiração pelos céus como se uma
primeira vez se tratasse. Já observo o céu
há uns 4 anos, no máximo, e o fascínio não
tem medidas. Sou como os antepassados que
olhavam sempre para o céu a tentar
descortinar o que eram aquelas "chamas"
tapadas por uma grande cobertura com
buracos.
Finalmente um céu digno para observar, com a
minha estrelinha sossegadinha em casa, e lá
aventurei sozinho nos arredores de Vila Flor
(a que fica a poucos minutos do Pocinho e a
sua barragem). Foi uma observação solitária
com a abóbada celeste. Foi um sentimento
incrível quando via as amendoeiras a
rebentar as flores com toda a sua pujança
sob a constelação imponente de Orion
(Orionte) e mesmo de Canis Major (Cão
Maior). Um céu florido de estrelas, enxames
globulares, enxames abertos, galáxias. A
qualidade do céu permitia ver perfeita e
distintamente a cabeça de Leo (Leão),
a normalmente pálida constelação Cancer
(Caranguejo) parecia fulgir, Monoceros
(Unicórnio) em grande apoteose, Mirfak
(alfa Persei) envolto num belíssimo colar de
estrelas, o caçador a mostrar entre os seus
ombros e o seu cinturão mais de uma dezena
de estrelas de brilho pálido (que raramente
são vistas a olho nu). O companheiro da
visita aos céus de Vila Flor... o fabuloso
Proteus 8x56. Foi com ele que pude
deslumbrar-me e rever, parcialmente, aquela
imagem que tive em Pulo do Lobo quando o
apontei para M93. A textura do céu deixava
entrever uma miríade de pequenos pontos
luminosos em torno do enxame aberto que mais
parecia um enxame globular. M93 parecia as
lágrimas (teardrops) que o Hubble vislumbrou
na nebulosa de Orion. Um arrepio passou-me.
Um arrepio de júbilo! :) E também um arrepio
de frio dada as baixíssimas temperaturas
(uma prova é que o tejadilho do carro numa
questão de alguns minutos ficou todo
esbranquiçado). Desde que o Homem inventou a
linguagem que não existem línguas, palavras
que descrevam o que senti quando, ao pôr de
lado o binóculo, pude apreciar a abóbada a
deslocar-se um pouco. ;) Pareceu-me
realmente mover diante dos meus olhos.
Fechei então os olhos e imaginei a Terra a
girar com as suas dezenas de milhares de
quilometros, e o céu a parecer mover-se
calmamente com todas as suas pérolas
floridas. Dirigi depois o meu olhar para
Norte (onde se podia ver a parte oriental da
vila lá ao longe) e vi a Ursa Minor,
e apesar da parca luz artificial, mesmo a
estrela de magnitude 4,8 (eta Ursa
Minoris - próximo de Pherkad)
era perfeitamente visível. Do lado posto,
bem longe destacavam-se as luzes do Pocinho
que em nada incomodavam o céu. De resto
reinava o silêncio. Júpiter e Saturno no
binóculo mostram pouco da sua realeza. Mas
vistos a olho nu, destacam-se sempre naquele
fundo incendiado de estrelas. A rasgar o
silêncio e a aparente estagnação celeste,
surgiram da abóbada quatro estrelas
cadentes. Duas a trespassar Perseus, um
próximo da fronteira Monoceros-Orion e outro
em Gemini.
NGC 1647 foi outro alvo o qual fica
próximo de Aldebaran seguindo para Norte
desta. A galáxia Redemoinho também foi
visível no binóculo como uma mancha alongada
e passaria despercebida a um observador
pouco experiente. O enxame Canis Major
M41 parecia tudo menos aberto, tal
a profusão de estrelas que se podia
discernir. O enxame aberto mais deslumbrante
destes céus... M35. Enorme riqueza a
ser apimentada pelo despercebido NGC 2158
logo a seus pés. O famosíssimo enxame duplo
de Perseus NGC 884 + NGC 869 a ser
seguido por uma linha curva de estrelas
parando numa poça circular de pontos de luz
- outro presente para o binóculo!
Não houve um plano de observação, e
orientei-me apenas por aquilo que já sabia
de observações anteriores. A observação
decorreu por volta da meia-noite terminando
findos 45 minutos no dia 21 de Janeiro de
2004 do calendário juliano.
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