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Sub-amostragem,"super-resolução", cor, movimento, percepção 3D e imaginação q.b.

uma "receita" para conciliar o "óptimo" e o "possível" na obtenção de imagens planetárias digitais

 

por António J. Cidadão

 

I - VAMOS SONHAR UM POUCO...

Quem nunca sonhou em capturar as cores da atmosfera Joviana, em obter uma imagem nítida da divisão de Cassini no sistema de anéis de Saturno ou mesmo em demonstrar a rotação de um planeta a um grupo de amigos? Pois saibam que é muito mais fácil do que estão a pensar, mesmo utilizando um telescópio relativamente modesto, se optarem por utilizar uma das várias câmaras CCD presentemente ao alcance da comunidade de astrónomos amadores.

Mas como em outras situações, ter o equipamento correcto não é garantia de sucesso. Vamos imaginar por breves momentos que nós, fãs das maravilhas do sistema Solar, somos bafejados pela sorte de ter acesso ao melhor telescópio do mundo, localizado num local privilegiado que permite obter imagens de elevada resolução e, obviamente, equipado com uma câmara CCD refrigerada de topo de gama. Mesmo com este equipamento de sonho, teríamos sempre de obedecer a uma das regras "de ouro" para trabalho de alta resolução: adoptar uma amostragem de imagem o mais adequada possível. Ora acontece que, divagações à parte, esta regra também se aplica ao nosso dia-a-dia de astrofotógrafos amadores. Temos apenas de saber qual o correcto significado da palavra "adequado" e actuar em conformidade.


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Imagens RGB a cores reais dos planetas Júpiter e Saturno, obtidas pelo autor com um telescópio de 254mm de abertura e uma câmara CCD refrigerada a partir de um ambiente urbano (Oeiras), durante uma sessão de observação em que as condições de estabilidade atmosférica se mostravam favoráveis. Devido a razões técnicas, as imagens originais de que resultou esta e todas as figuras do artigo tiveram de ser obtidas em condições de sub-amostragem (ver texto). No entanto, após processamento e combinação de um número apropriado de originais, obteve-se um efeito de "super-resolução" que ajudou a melhorar consideravelmente a qualidade das imagens finais. As imagens de Júpiter, embora obtidas com pouco tempo de intervalo uma da outra, demonstram já a rotação do planeta, pelo que poderiam ser usadas para originar uma pequena animação. Neste caso porém, foram colocadas lado-a-lado de modo a formar um par estereoscópico. Espero que após lerem este artigo, se sintam estimulados a tentar as experiências aqui sugeridas.


 

II - QUANDO O "ÓPTIMO" É O "POSSÍVEL"...

De acordo com o critério de amostragem de Nyquist, pelo menos dois elementos de imagem, isto é dois pixels, devem ser utilizados para abranger o poder de resolução teórico de um dado instrumento. Se utilizarmos menos de dois pixels para originar uma imagem dos mais finos detalhes passíveis de ser fornecidos pelo nosso telescópio ou, por outras palavras, se sub-amostrarmos os nossos dados, ocorrerá uma perda de informação irreversível. A situação inversa, denominada sobre-amostragem, não nos proporcionará mais detalhes mas poderá ser útil para compensar a ocorrência de pixels defeituosos no nosso CCD ou para ajudar a contornar o ruído que está sempre presente nas nossas imagens. Mas voltemos às tais condições de amostragem optimizada. Um telescópio que resolva cerca de 1" de arco, por exemplo um refractor de 120mm de abertura, deverá ser equipado com uma câmara CCD cujos pixels abranjam 0,5" de arco para estarmos seguros de que podemos capturar todos os detalhes de imagem proporcionados pelo instrumento. A combinação câmara-telescópio ideal para atingir tal objectivo pode ser encontrada ajustando a distância focal com que trabalhamos (ex. com uma Barlow ou por projecção com uma ocular) e/ou usando uma câmara cujos pixels tenham a dimensão mais adequada (para obter imagens planetárias normalmente preferem-se câmaras com pixels de pequenas dimensões). Os cálculos necessários podem ser facilmente efectuados utilizando a seguinte fórmula

A=206xP/F

na qual P representa em micrómetros a dimensão dos pixels da nossa câmara CCD, F a distância focal em milímetros do nosso sistema óptico, e A é amostragem de imagem que desejamos obter.

É sobejamente conhecido por todos os que já obtiveram imagens estelares, de galáxias ou de nebulosas, que não é essencial seguir escrupulosamente o critério de amostragem descrito anteriormente quando a nossa intenção é fotografar objectos do "céu profundo". Isso porque as condições locais de estabilidade atmosférica degradam na maior parte dos casos a qualidade da imagem durante exposições longas. Na prática, o limite de resolução teórico do nosso instrumento nunca será atingido, pelo que a dita amostragem correcta se comporta como se de uma sobre-amostragem se tratasse. Por outro lado, temos igualmente a noção de que investir na optimização das condições de amostragem é de uma importância fundamental para conseguir obter imagens planetárias de alta resolução. E de facto assim é porque nós desejamos, e esperamos, que os curtos tempos de integração habitualmente utilizados para fotografar planetas brilhantes sejam capazes de "congelar" momentaneamente a turbulência atmosférica, permitindo-nos atingir o limite de resolução teórico do nosso telescópio.

Infelizmente é na maior parte dos casos bastante difícil, senão mesmo impossível, obedecer na prática ao critério de amostragem optimizada que referimos anteriormente. Por exemplo, podemos possuir uma excelente câmara CCD com pixels de grandes dimensões, uma câmara que utilizamos por rotina para obter imagens do céu profundo mas que gostaríamos de experimentar em planetas. Um outro cenário possível é a nossa câmara CCD ter de facto pixels pequenos, mas ter de ser utilizada no único telescópio que possuímos, um telescópio que "por acaso" tem uma pequena abertura. Em ambas as situações, trabalhar com grandes relações focais (f/D) determinará um intolerável decréscimo da luminosidade da imagem. E isso forçar-nos-á a utilizar tempos de integração incompatíveis com as condições locais da turbulência atmosférica e/ou com as nem sempre adequadas rigidez e estabilidade da nossa montagem. Resumidamente, podemos eventualmente conseguir uma amostragem adequada do ponto de vista teórico, mas seremos incapazes de tirar partido da maior parte das nossas sessões de observação. Por outras palavras, será fácil produzir um grande número de imagens correctamente amostradas mas sempre "tremidas", ou seja, inutilizáveis. Na minha opinião, esta é a principal razão pela qual a fotografia planetária digital não ganhou a popularidade que a sua congénere do "céu profundo" goza presentemente no seio da comunidade amadora. Claro que os problemas expostos se multiplicam quando pensamos no panorama da fotografia planetária convencional, pois nessa abordagem mais clássica os tempos de exposição utilizados são muito maiores e normalmente só vemos à posteriori os nossos frequentes insucessos. Além de nos fazer perder tempo, é na prática uma actividade bastante cara e que muito facilmente se pode tornar desmotivadora.


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Imagens a preto-e-branco dos planetas Júpiter e Saturno, obtidas em 1998 com a ST-5C utilizando uma amostragem de imagem de 0,4" de arco por pixel (condições favoráveis de estabilidade atmosférica). Numerosas formações nublosas podem ser identificadas nos discos planetários (ex. Grande Mancha Vermelha e plumas na zona equatorial de Júpiter, e alternância de bandas escuras e zonas claras em Saturno). Pequenas estruturas como o mínimo de Encke no sistema de anéis de Saturno também são visíveis. A divisão de Cassini é bastante evidente em ambas as imagens de Saturno. De notar ainda as diferenças no diâmetro aparente de Júpiter e, em Saturno, a variação da inclinação dos anéis e a diferente posição da sombra do planeta nos mesmos (as imagens da esquerda e da direita foram obtidas respectivamente antes e depois da oposição).


Mas como não podemos nem queremos eliminar a nossa atmosfera, não temos ainda acesso fácil a dispositivos de óptica adaptativa utilizáveis em planetas (os modelos existentes são em escasso número e bastante caros), nem temos na maior parte dos casos a câmara e/ou o telescópio dos nossos sonhos, qual é no meu ponto de vista a solução possível para tais constrangimentos bem reais do nosso dia-a-dia? Bem, é uma solução extremamente simples: dar sempre prioridade à utilização de tempos de integração o mais curtos possível, não nos importarmos em aceitar algum grau de sub-amostragem nas nossas imagens se tal for necessário e, acima de tudo, nunca desistir.

Neste artigo descreverei o método que utilizo há alguns anos para obter imagens planetárias. Especificamente, tentarei mostrar alguns dos resultados que podem ser obtidos quando um grupo de imagens sub-amostradas mas nítidas são combinadas correctamente de modo a produzirem uma imagem final de maior qualidade no que diz respeito à relação sinal/ruído que contém, e com uma resolução melhorada. Este incremento na resolução das imagens finais designa-se genericamente "super-resolução". Estou convencido que reconhecerão que a partir destas imagens finais, a tarefa de produzir pares estereoscópicos e animações tridimensionais, tanto a preto-e-branco como a cores, está apenas a uns simples passos de distância. E como os computadores fazem a maior parte do trabalho nas chamadas "câmaras-escuras digitais", tal distância traduz-se num pequeno número de procedimentos básicos que rapidamente interiorizamos, e numa imensa satisfação.


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Este mosaico ilustra o ponto de partida (imagens a preto-e-branco de Marte, Júpiter e Saturno ao centro, obtidas com a ST-6) e o resultado final da rotina de processamento de imagem que utilizo para obter planetárias em condições de sub-amostragem(correspondentes imagens RGB a cores reais, à direita). A imagem maior de Júpiter, à esquerda, é uma simples ampliação das imagens original e final (ampliadas 4x e 2x respectivamente), aqui alinhadas para permitir uma melhor comparação entre o tamanho dos pixels das imagens originais (amostragem de imagem de 0,75" de arco por pixel) e a definição que se obtém após processamento de imagem.


 

III - LAR E MOBÍLIA..., ASTRONOMICAMENTE FALANDO

Obtenho presentemente todas as minhas imagens planetárias com um telescópio Schmidt-Cassegrain de 254mm de abertura (f/D=10, modelo LX200 da Meade), montado em equatorial num pilar de betão, a partir dum "observatório de telhado" localizado em Oeiras. Trata-se de um local urbano situado a cerca de 1km do mar, com considerável poluição luminosa e, o que é mais importante para a obtenção de imagens planetárias, frequentemente caracterizado por condições de estabilidade atmosférica ("seeing conditions" da terminologia em língua inglesa) pouco favoráveis. Felizmente, alguns períodos de estabilidade média a excelente também ocorrem, e eu tento aproveitar tais ocasiões para a obtenção de imagens com a máxima definição que é possibilitada pela combinação dos meus telescópio e câmara CCD. Para tal, é de grande importância prática o meu local de observação estar estrategicamente situado no andar superior da minha residência, o que significa que em cerca de cinco minutos estou apto a iniciar uma sessão de imagens, por exemplo aproveitando um pequena aberta entre nuvens. É também importante, confesso, ter acesso a alguma comodidade, um detalhe crucial para evitar o desgaste durante as longas sessões de obtenção de imagens. No meu caso, trabalho num ambiente aquecido e iluminado, a partir do qual posso controlar os movimentos e a focagem do telescópio (um pormenor importantíssimo!), e comando a totalidade das funções da câmara CCD. Na prática, a conjunção de todos estes factores permitem que consiga fazer trabalho útil num grande número de noites.

Até Julho passado o meu telescópio estava equipado com uma câmara CCD refrigerada da SBIG (Santa Barbara Instrument Group), modelo ST-6 (pixels rectangulares de 23x27 micrómetros), e uma roda de filtros motorizada modelo CFW-6A, também da SBIG, para efectuar imagens a cores reais dos planetas e objectos do céu profundo. Possuo desde aquela altura também uma outra câmara da SBIG, desta vez um modelo ST-5C (pixels quadrados de 10 micrómetros; por enquanto sem a roda de filtros interna), que utilizo quase exclusivamente para fotografar a Lua e os planetas. Para ambas as câmaras CCD, coloco habitualmente uma Barlow apocromática 2x (Série 4000 da Meade) no trajecto óptico quando quero obter imagens planetárias. Para a ST-6 equipada com a roda de filtros, tal combinação câmara-telescópio resulta numa amostragem de imagem de 0,75" de arco por pixel, enquanto que para a ST-5C ela se traduz num valor de cerca de 0,4" de arco por pixel (ou cerca de 0,8" de arco por pixel quando utilizo a câmara no modo de baixa resolução, o que origina "super"-pixels de 20 micrómetros por "binning" 2x2).

 

IV - VAMOS ENTÃO A "VIAS DE FACTO"...

Em ambos os casos acima referidos, a amostragem de imagem que utilizo situa-se abaixo dos parâmetros considerados óptimos para trabalho de alta resolução. De facto, tendo em consideração que o poder de resolução teórico de um telescópio de 254mm de abertura ronda os 0,5" de arco, eu deveria adoptar uma amostragem de pelo menos 0,25" de arco por pixel. Mas para atingir tal objectivo teria de trabalhar a f/D=87,5 para a ST-6 e a f/D=32,5 para a ST--5C, o que seria no mínimo muito pouco prático e seguramente muito pouco produtivo. Na verdade, as condições de estabilidade atmosférica no meu local de observação são na maior parte dos casos incompatíveis com os tempos de integração que teria de utilizar. Isso porque em fotografia planetária eu opto sempre por utilizar tempos de integração que permitem atingir cerca de 1/2 a 2/3 do valor de saturação ("full-well capacity") dos sensores CCD que equipam as minhas ST-6 e 5C. Desse modo tenho a certeza que vou obter uma relação sinal/ruído aceitável nas minhas imagens originais, o que me dá liberdade de acção nas subsequentes rotinas de processamento e melhora significativamente a qualidade das imagens finais.


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Sumário dos passos sequenciais de processamento que utilizo por rotina para obter imagens planetárias (ver detalhes no texto). A imagem original de Júpiter à esquerda foi obtida com a ST-6 utilizando um filtro vermelho. Os passos de A a C são levados a cabo com a versão para DOS do programa CCDOPS da SBIG. O passo A consiste no aumento de nitidez, ampliação e correcção da geometria planetária das imagens originais. No passo B as imagens são recortadas de modo a poderem ser perfeitamente alinhadas, e seguidamente (passo C) é feita a média de um determinado número de imagens recortadas (ex. 10 a 30) de modo a originar uma imagem vermelha final. Esta imagem final, exibindo uma melhor relação sinal/ruído e uma maior resolução que as correspondentes imagens originais, pode então ser usada com tal ou pode ser combinada com imagens semelhantes produzidas com filtros verde e azul de modo a obter ima imagem RGB a cores reais. Este passo final D é facilmente efectuado com programas de processamento de imagem como o Adobe PhotoShop.


Para tentar ultrapassar as limitações resultantes da sub-amostragem de imagem que apenas utilizo por razões práticas, adoptei, após vários testes de comparação de resultados, uma rotina de processamento de baseada no correcto alinhamento de uma série de imagens originais (com precisão de uma fracção de pixel), a partir das quais é subsequentemente feita uma média de modo a obter uma imagem final de alta qualidade. Alta qualidade significa neste caso uma maior nitidez, uma melhor relação sinal/ruído e uma maior resolução. Uma maneira muito simples de obter manualmente tal alinhamento é ampliar as imagens originais com interpolação de pixels adjacentes, e depois recortá-las com a maior precisão possível de modo a obter uma série de imagens com a mesma dimensão e enquadramento. Tudo isto pode ser fácil e rapidamente conseguido com o programa CCDOPS da SBIG (versão gratuita para DOS), o qual serve também para controlar as câmaras CCD. Existem presentemente versões para Windows do mesmo programa (tanto gratuitas como comerciais), mas nenhuma delas tem as mesmas características de rapidez e facilidade no manuseamento de imagens apresentadas pela versão DOS.

Mas vamos então aos detalhes do método. Em primeiro lugar, é necessário obter e guardar no disco uma grande série de imagens, procedimento este que para ser eficaz deve ser feito automaticamente e efectuado no ritmo mais rápido possível. Para tal, normalmente utilizo o programa de controlo da câmara configurado em modo planetário ("planet-mode") e captura automática de imagens ("auto-grab"), com refrescamento manual de ecrã ("manual-update") e escolhendo um enquadramento de imagem equivalente a cerca de dois diâmetros planetários. Utilizando uma linguagem o menos técnica possível, esta configuração permite-me: i) escolher um nome genérico para as imagens, ao qual será automaticamente acrescentado um número de ordem pelo computador, sendo isto feito antes de começar a obter as imagens; ii) de toda a área do CCD posso escolher para as imagens apenas a área útil, o que resulta na poupança de espaço de disco e, fundamentalmente, na obtenção de imagens a um ritmo bastante mais rápido; iii) imediatamente após a câmara obter cada uma das imagens ela é exibida no ecrã, sendo possível no momento optar entre guardá-la e eliminá-la, tudo isto com um simples comando de teclado e sem interromper a sessão de obtenção de imagens. Em noites de estabilidade atmosférica média, consigo deste modo obter cerca de 10 boas imagens por minuto.

Mais tarde, na sessão de processamento, esta grande série de imagens originais será subdividida em grupos contendo um número fixo de imagens (ex. 10 a 30). Todas as imagens originais pertencentes a cada um dos grupos são processadas de igual modo, sendo finalmente efectuada a média de todas elas de modo a obter uma imagem final. Resulta de tudo isto uma pequena série de imagens finais, na pratica obtidas a um ritmo mais ou menos constante, o que é importante quando desejamos obter uma animação. Para obter uma série de imagens RGB (Red-Green-Blue) a cores reais, capturo uma pequena série de imagens com um dos filtros (ex. 10 imagens com o filtro vermelho), repito o procedimento para os outros dois filtros, e recomeço o ciclo novamente. É pois uma tarefa que dá trabalho e ocupa um certo tempo, mas penso que os resultados merecem o esforço. Mais uma vez devo insistir na importância fundamental de capturar as imagens obtidas com os três filtros no mínimo intervalo de tempo possível, pois uma boa parte dos planetas que desejamos fotografar apresentam um movimento de rotação bastante rápido. Possuir uma roda de filtros motorizada é pois essencial para os que, como eu, trabalham a partir de uma posição remota (cerca de 15m do telescópio).


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Embora um intervalo de apenas 30 minutos separe estas duas imagens de Júpiter obtidas com a ST-6 em 1997, a rotação do planeta é muito óbvia (a Grande Mancha Vermelha encontra-se à direita, já no limbo do planeta, na segunda imagem). Por este motivo, os três componentes de imagens RGB obtidos com os filtros R (vermelho), G (verde) e B (azul) devem ser obtidos o mais rapidamente possível. Com Saturno é também crítico ter em mente a sua rápida rotação. É ainda notória uma considerável deterioração das condições de estabilidade atmosférica na altura em que a segunda imagem foi obtida. A degradação mais evidente ocorreu na imagem obtida com o filtro azul (B), o que está relacionado com o facto de tais imagens necessitarem um maior tempo de integração.


Como referi anteriormente, praticamente todos os passos da rotina de processamento de imagem são realizados utilizando a versão para DOS do programa CCDOPS. Em primeiro lugar efectuo dois ou três ciclos de aumento de nitidez em cada uma das imagens originais (no CCDOPS, escolher o comando "sharpen - lunar/planetary - hard"). Este procedimento é pura e simplesmente equivalente a aplicar uma máscara desfocada ("unsharp-masking"), um dos tipos de processamento mais utilizados para realçar os detalhes presentes em imagens de planetas. Em situações em que a atmosfera está particularmente estável, ou para detalhes planetários com grande contraste intrínseco, dois ciclos mostram-se na maior parte dos casos suficientes. Seguidamente amplio cada uma das imagens originais, com interpolação dos pixels adjacentes (comando "enlarge image 2x"), se necessário rectifico a geometria planetária (comando "resample pixels"; procedimento apenas necessário para as imagens obtidas com a ST-6, devido ao facto desta ter um CCD com pixels rectangulares), e finalmente guardo cada um das imagens processadas no disco. É importante guardar sempre as nossas imagens originais sem qualquer alteração!, pelo que deve ser escolhido um novo nome para as imagens processadas. As imagens resultantes das etapas de processamento realizadas até agora são maiores e mais nítidas que as originais, mas nelas também é muitíssimo mais evidente o componente de ruído.


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Imagens a preto-e-branco do planeta Júpiter, obtidas em 1998 com a ST-5C em condições de estabilidade atmosféricas progressivamente mais favoráveis (de cima para baixo). Todas as imagens da coluna da esquerda foram obtidas com a mesma amostragem de imagem (0,4" de arco por pixel), pelo que as diferentes dimensões planetárias apenas reflectem a variação do seu diâmetro aparente na altura em que as imagens foram obtidas. As imagens da coluna da direita foram obtidas exactamente a partir dos mesmos originais que produziram as imagens correspondentes da esquerda. Porém a dimensão de cada uma das imagens originais foi reduzida 2x antes de elas serem sujeitas aos mesmos passos de processamento referidos no texto. Deste modo, emulou-se o efeito de uma amostragem de imagem de 0,8" de arco por pixel, o que permitiu a comparação directa dos efeitos de ligeira (coluna da esquerda) versus marcada sub-amostragem (coluna da direita) na qualidade das imagens planetárias sob diferentes condições de estabilidade atmosférica. É evidente que as imagens da direita são em todos os casos mais contrastadas do que as da esquerda, o que pode ser altamente vantajoso para demonstrar detalhes subtis na superfície planetária. Além disso, apenas as condições mais favoráveis de estabilidade atmosférica (imagens inferiores) é que determinam uma nítida perda de informação devido a marcada sub-amostragem. Isto sucedeu porque em todas as outras situações o limite de resolução teórico do telescópio não pode ser atingido devido à turbulência atmosférica. No meu ponto de vista, as imagens mais informativas em condições adversas de estabilidade são as obtidas com uma amostragem de 0,8" de arco por pixel.


Para obter uma melhor relação sinal/ruído, várias destas imagens parcialmente processadas têm agora de ser alinhadas com suficiente precisão e sujeitas a média. Alinhar imagens planetárias com o CCDOPS para DOS é uma tarefa extremamente fácil, embora tenha de ser feita manualmente. Mas tudo o que é necessário fazer é recortar (comando "crop") as imagens utilizando uma janela de dimensões apropriadas e constantes ("window-size"). Eu simplesmente exibo a imagem no ecrã em modo de análise ("analysis mode") e, para garantir um correcto alinhamento entre imagens, escolho uma janela de recorte que coincida perfeitamente com os limites do disco planetário. Para assegurar uma melhor visualização do limbo, dois importantes parâmetros das nossas imagens, o valor de fundo ("background level") e a dinâmica ("range") são diminuídos de modo a exibir no ecrã um disco planetário completamente saturado. Tentando falar novamente em termos um pouco menos técnicos, estes dois parâmetros correspondem respectivamente ao negro (ou seja ao fundo do céu), e ao número de tonalidades de cinzento que separam o fundo do céu da região mais brilhante das nossas imagens (ou seja o preto do branco). Para já, manipular os seus valores não vai modificar em nada as nossas imagens, mas apenas alterar o modo como elas vão ser exibidas no ecrã do computador. Mas continuemos. Quando uma janela de recorte adequada é escolhida, o CCDOPS apresenta-a automaticamente em todas as imagens a processar subsequentemente, pelo que é apenas necessário corrigir a sua posição no eixo dos X e dos Y (com as teclas do cursor) de modo a faze-la coincidir com a localização do disco planetário nas várias imagens. As nossas imagens recortadas, todas com a mesma dimensão e agora com o disco planetário perfeitamente alinhado, são guardadas no disco para efectuar posteriormente a sua média.

Fazer uma média de várias imagens é uma tarefa directa com o CCDOPS (comando "average images"), e a imagem final assim originada deve ser guardada no disco em formato SBIG (ou FITS), mais uma vez com um novo nome! É extremamente importante guardarmos as nossas imagens iniciais, intermédias e finais, em formato nativo da câmara (ex. SBIG ou FITS), de modo a manter sempre uma dinâmica de digitalização a 16-bits (65535 tonalidades de cinzento entre o preto e o branco; de notar, porém, que a nossa visão só discrimina cerca de 255 diferentes tonalidades de cinzento, o que se consegue com uma digitalização a 8-bits). Se as nossas imagens necessitarem mais algum processamento (ex. aumentar a nitidez ou tentar eliminar o ruído residual) é extremamente vantajoso que tal seja efectuado em imagens com a maior dinâmica cromática possível, ou seja, no formato nativo da câmara.

Para produzir imagens planetárias RGB a cores reais, é agora necessário exportar cada uma das três imagens a preto-e-branco originadas com os filtros coloridos (vermelho, verde e azul) como ficheiros TIFF de 8-bits. A fusão dos três canais R, G e B, pode ser efectuada em programas de processamento de imagem como o Adobe PhotoShop, originando por exemplo ficheiros TIFF ou JPEG de 24-bits. A nova versão comercial do CCDOPS para Windows95 também o permite.

Quando se exportam de tais ficheiros TIFF a partir do CCDOPS reveste-se de uma importância fundamental escolher previamente os valores mais adequados para os dois parâmetros de imagem de que já falei, o valor de fundo ("background level") e a dinâmica ("range"), de modo a conseguir "comprimir" em apenas 255 tonalidades de cinzento toda a dinâmica das imagens originais. É que ao contrário do que sucede com as imagens de 16-bits, as imagens de 8-bits apenas vão apresentar as características que são exibidas no ecrã do computador no momento em que estão para ser guardadas no disco (comando "save image"). No CCDOPS, esta importante informação pode ser obtida a partir do comando histograma ("show histogram").

 

V - EM MOVIMENTO ACELERADO...

Sequências de imagens obtidas pela metodologia acima descrita são boas representações "estáticas" do movimento de planetas e satélites, mas podem também ser directamente utilizadas para produzir animações a ritmo acelerado. Normalmente gosto de importar as versões TIFF das imagens que constituem uma sequência, mantendo a sua posição relativa, para o programa VidEdit da Microsoft, o qual automaticamente as combina de modo a produzir uma animação a cores ou a preto-e-branco em formato AVI. No entanto, o mesmo pode ser conseguido com outros programas, como por exemplo o WinGIF também da Microsoft, o qual origina GIFs animados directamente visualizáveis em "browsers" WWW. No entanto a qualidade das animações RGB a cores reais não é tão boa como a dos ficheiros AVI.


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Sequência de imagens RGB a cores reais de Marte, obtidas em 1997 com a ST-6, evidenciando a rotação do planeta. A calote polar, nuvens e marcas de albedo como Syrtis Major podem ser observadas. Cada uma das imagens RGB foi produzida pela combinação de três diferentes imagens a preto-e-branco, obtidas sequencialmente com filtros coloridos (vermelho, verde e azul). Sequências como estas podem ser utilizadas para produzir animações a ritmo acelerado.


 

VI - QUEM DIRIA..., UMA DIMENSÃO ESCONDIDA

Além do movimento, sequências de imagens como as que foram descritas anteriormente também nos permitem extrair informação tridimensional do objecto que foi fotografado. Na verdade, um efeito tridimensional pode ser facilmente obtido combinando duas imagens adquiridas a partir do mesmo local, com o mesmo instrumento e cobrindo a mesma área do céu, desde que elas sejam obtidas num determinado intervalo de tempo uma da outra. Melhor ainda, este método pode ser aplicado a outros corpos celestes além de planetas, desde que seja possível captar a sua deslocação nas duas imagens que referimos. Por exemplo, após um determinado intervalo de tempo um planeta em rotação irá seguramente mostrar um hemisfério ligeiramente diferente, e um asteróide ou cometa mover-se-ão relativamente ao fundo de estrelas a não ser que tenham uma trajectória que os faça deslocar directamente para ou do observador. Tais imagens podem pois ser utilizadas para produzir o que se pode designar pares estereoscópicos emulados por "lapso-de-tempo". Por simplicidade, denominá-los-ei a partir de agora pares estereoscópicos "emulados".

É possível produzir pares estereoscópicos emulados sem qualquer tipo de dificuldade, bastando-nos utilizar os métodos da codificação vermelho-azul ou do alinhamento lado-a-lado. Na primeira abordagem, uma imagem RGB é sintetizada atribuindo a um par de imagens a preto-e-branco previamente obtidas, as futuras imagens da esquerda e direita, os canais vermelho e azul respectivamente. A imagem do canal azul é também atribuída ao canal verde. O resultado final denomina-se um anáglifo a preto-e-branco. Este procedimento pode ser efectuado com programas como o Adobe PhotoShop. Estes pares estereoscópicos devem ser observados com óculos tridimensionais coloridos como os que têm aparecido nos últimos tempos nas revistas Sky&Telescope, Astronomy ou Ciel&Espace. Tais óculos são constituídos por filtros de celofane vermelho e azul escuro (ou verde escuro) respectivamente para os olhos esquerdo e direito. Fabricar em casa uns óculos semelhantes, por exemplo a partir de pequenas tiras de celofane, e cartão grosso para as armações, é tarefa que não deve assustar nenhum astrónomo amador. No segundo método basta simplesmente alinhar lado-a-lado as imagens que constituem o nosso par estereoscópico, as quais devem ser observadas modificando voluntariamente a convergência ocular (visão paralela) até conseguir a sua fusão, ou utilizando um visor estereoscópico binocular.


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Anáglifos a preto-e-branco do planeta Júpiter (para obter um efeito tridimensional utilizar óculos tridimensionais vermelho-azul), obtidos em 1998 com a ST-5C utilizando amostragens de imagem de 0,8" (quatro imagens em cima) e 0,4" de arco por pixel (imagem inferior, mostrando dois satélites e sombra de um deles). Todas as imagens foram obtidas sob condições bastante favoráveis de estabilidade atmosférica. O contraste é mais elevado nas imagens com marcada sub-amostragem (0,8" de arco por pixel), embora à custa da perda de alguma informação espacial. De qualquer maneira, a qualidade de qualquer uma das imagens é compatível com a sua utilização em programas de observação do planeta Júpiter.

 

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Pares estereoscópicos emulados dos planetas Marte, Júpiter e Saturno, obtidos com a ST-6. São apresentados exemplos a preto-e-branco e RGB a cores reais. As imagens correspondentes aos olhos direito e esquerdo estão simplesmente alinhadas lado-a-lado, de modo a poderem ser observadas tentando modificar voluntariamente a convergência ocular (visão paralela). Tentem olhar "através" das imagens de modo a mais rapidamente conseguirem a fusão das imagens esquerda e direita.


Para ambos os métodos, escolher uma dimensão de imagem adequada, e obter um alinhamento correcto para o par estereoscópico resultante, são passos críticos para obter uma percepção tridimensional convincente. Antes de mais nada, ambas as imagens deverão ter a mesma dimensão e orientação. Para maximizar o efeito tridimensional, o trajecto do objecto deverá ser orientado horizontalmente, se necessário rodando as duas imagens, mas de preferência orientando correctamente a câmara antes das imagens serem obtidas. O eixo de rotação dos planetas deve pois ser orientado verticalmente. O enquadramento da imagem é também importante. Para os planetas em rotação é melhor manter um alinhamento preciso do limbo planetário. Um erro que ocorre frequentemente durante a preparação dos pares estereoscópicos é a atribuição da imagem do lado direito à posição esquerda e vice versa. Os planetas aparecer-nos-ão ocos e com uma superfície côncava.

O lapso-de-tempo óptimo entre a obtenção das imagens da esquerda e da direita depende de vários factores, nomeadamente ampliação da imagem e velocidade da rotação planetária, e deve ser sempre testada. Se escolhermos um intervalo de tempo insuficiente o efeito tridimensional será mínimo, enquanto que a fusão das imagens será difícil se um valor excessivo for escolhido. Um artefacto adicional surge quando escolhemos um valor maior que o desejável para o lapso-de-tempo entre as imagens, nomeadamente uma redução do diâmetro equatorial do planeta. As sombras dos satélites podem-nos também parecer "flutuar" sobre a superfície planetária quando este método é usado, mesmo que se escolha um intervalo de tempo adequado. Trata-se de um óbvio artefacto do método, e simultaneamente a demonstração de que não estamos a utilizar verdadeiros pares estereoscópicos. Mas em termos práticos, e pensando na distância a que planetas como Marte ou Júpiter se encontram de nós, quem sonharia em fazer isso a partir de uma única localização na superfície da Terra?

 

VII - UM PEQUENO PASSO ADICIONAL...

Tendo em conta a informação que lhes transmiti até este momento, já estão certamente a suspeitar que o próximo passo para, ingenuamente claro, tentarmos duplicar as realidades cósmicas será..., isso mesmo..., produzir animações tridimensionais a partir de sequências de pares estereoscópicos emulados (a preto-e-branco ou a cores reais).

Gosto de chamar o processo que nos possibilita obter tais animações tridimensionais o método do paralaxe por lapso-de-tempo. Para planetas em rotação ele é talvez melhor descrito como o método do paralaxe rotacional, mas o que interessa é que ele pode ser aplicado a qualquer objecto do sistema Solar com movimento perceptível. E não poderia ser mais fácil, pois o método baseia-se numa única sequência de imagens, obtida durante um determinado período de tempo, tanto para originar o efeito de movimento como para emular o paralaxe. Por outras palavras, quaisquer animações bidimensionais que tenhamos originado previamente podem ser directamente reprocessadas para originar um efeito tridimensional!


super_08.jpg (102989 bytes)

Sequência de pares estereoscópicos a preto-e-branco do planeta Júpiter, sintetizados por lapso de tempo, obtidos com a ST-6. Um satélite em trânsito e a sua sombra são evidentes. Duas versões da mesma sequência são apresentadas: alinhamento lado-a-lado à esquerda (usar visão paralela) e um anáglifo a preto-e-branco à direita (usar óculos tridimensionais vermelho-azul). Sequências como estas podem ser usadas para produzir animações tridimensionais.


Para obter uma animação tridimensional utilizando o método do paralaxe rotacional é apenas necessário desfasar duas cópias da mesma animação bidimensional um determinado número de fotogramas. Por exemplo, o fotograma nº1 passará a ficar alinhado com o nº3, o nº2 com o nº4, o nº3 com o nº5 e por aí adiante. Em seguida, estas imagens bidimensionais alinhadas de novo serão combinadas para obter nada mais nada menos do que um sequência de pares estereoscópicos emulados. Esses pares estereoscópicos serão os fotogramas que darão origem à nova animação tridimensional. Qualquer um dos métodos já descritos, a codificação vermelho-azul ou o alinhamento lado-a-lado, é adequado para preparar tais pares estereoscópicos. E, tal como foi referido para as animações bidimensionais, os programas VidEdit ou WinGIF da Microsoft podem agora entrar em acção.

 

VIII - "SUPER-RESOLUÇÃO"..., OU "HIPER"-IMAGINAÇÃO?

Não, não me esqueci do tal assunto da "super-resolução". Apenas guardei este tema para o fim porque ele pode ser de mais difícil compreensão e, fundamentalmente, porque ele me ensinou pelo menos uma coisa que espero ser útil a todos. Afinal, consegue-se ou não um aumento real de resolução através da combinação regrada de várias imagens planetárias? Eu estou convencido que sim, mas gostaria que terminassem a leitura deste artigo com um estímulo adicional para continuarem a pensar no tema: existe realmente "super-resolução" ou apenas "hiper"-imaginação amadora?

Antes de mais nada, existem de facto algoritmos de "super-resolução". Eles são aplicados por rotina às imagens do telescópio espacial Hubble, deram também excelentes resultados no processamento de imagens provenientes de missões da NASA a planetas do nosso Sistema Solar, e começam já a ser integrados em "pacotes" de processamento de imagem destinados à microscopia. No campo da astronomia amadora, a última versão do excelente programa de processamento de imagem QMiPS32 (da autoria de C. Buil e cols.) já inclui um dos algoritmos referidos ("drizzling"), o qual parece apenas dar bons resultados em imagens estelares.

E qual é a razão de ser dos algoritmos de "super-resolução"? Bem, eles destinam-se a tentar compensar um problema real que existe mesmo nos detectores CCD de topo de gama que equipam os instrumentos astronómicos mais recentes: a sua limitada resolução, devido à dimensão não desprezível dos pixels que os constituem. Em resumo, o que estes algoritmos fazem é tentar aproveitar a distinta informação presente em diferentes fotografias do mesmo objecto (ex. diferenças no padrão dos pixels que formam a imagem). Tais diferenças entre imagens existem sempre, sendo devidas às inúmeras combinações de padrões de pixels motivadas mesmo por ligeiros desfasamentos que ocorrem entre a imagem produzida pelo instrumento e a matriz "grosseira" de pixels que a detecta. Por estes métodos é possível extrair tal informação adicional das imagens, e conseguir resoluções reais que correspondem a uma fracção da dimensão dos pixels do detector. Se bem se lembram, esta temática integra-se muito bem nas condições de sub-amostragem por que comecei este artigo. Ou seja, este assunto "esotérico" também diz respeito a amadores.


As condições de amostragem óptimas (2 pixels por 0,5" de arco) para trabalho de alta resolução com um telescópio de 254mm de abertura (poder de resolução teórico de 0,5" de arco) são apresentadas à esquerda. De acordo com o posicionamento de um determinado ponto da imagem sobre a matriz de pixels do CCD uma diferente imagem será produzida. É admissível que o padrão em forma de cruz seja o mais frequente, dado que o padrão com a forma de um quadrado apenas ocorre quando se verifica uma sobreposição precisa entre o ponto de imagem e os pixels. Em qualquer um dos casos, a dimensão do padrão de pixels que produzem a imagem e o ponto de imagem propriamente dito são muito semelhantes. Tais semelhanças são particularmente notórias quando se faz a média de um grupo de imagens bem alinhadas. As condições de marcada sub-amostragem que obtenho com a ST-6 são demonstradas ao centro. É evidente que a melhor imagem possível de um ponto de 0,5" de arco será um quadrado de 0,75" de arco de lado (ou seja, um único pixel). No entanto, o padrão de pixels resultante pode ser muito mais desfavorável quando o ponto de imagem cai sobre mais do que um pixel. Numa tentativa de ultrapassar parcialmente tal problema, uso por rotina o procedimento mostrado à direita. As imagens são primeiro sujeitas a um aumento de nitidez e depois ampliadas 2x com interpolação dos valores dos pixels adjacentes. Embora estes passos apenas produzam uma imagem maior com pixels do mesmo tamanho, é na prática equivalente a emular uma imagem do mesmo tamanho mas com pixels mais pequenos (1/2 da dimensão original). Tais imagens podem ser muito mais precisamente alinhadas. O objectivo final é ser capaz de obter imagens finais com maior resolução que a exibida por cada uma das imagens originais, nomeadamente atingir pelo menos a resolução de 0,75" de arco. O limite de resolução teórico do telescópio poderá não ser atingido, mas em minha opinião ocorre uma melhoria nítida da definição das imagens. Este procedimento também se aplica às imagens que obtenho com a ST-5C


Mas chega de teorias. Quem já não se lembra das imagens da superfície Marciana enviadas para a Terra pelas câmaras da sonda Mars Pathfinder? Na minha opinião, as fotografias mais espectaculares que resultaram de tal missão foram os pares estereoscópicos, a preto-e-branco e a cores reais, processados por Timothy Parker do JPL (também um astrónomo amador que, como não podia deixar de ser, se interessa pela observação e fotografia digital de planetas). Pois nessas imagens T. Parker conseguiu obter manualmente um evidente efeito de "super-resolução", e conseguiu-o com um método que dificilmente atribuiríamos à NASA, pelo "low-tech", ou por outras palavras pelo "quase amadorismo", que o parece caracterizar... Após algumas sessões de agradável conversa com o autor, aqui vos deixo o resumo do seu método, totalmente executado num programa de processamento de imagem cujo nome penso ser-vos familiar - Adobe PhotoShop: i) importação das imagens; ii) ampliação das mesmas com interpolação de pixels adjacentes; iii) média de todas as imagens após alinhamento com uma precisão de fracção de pixel; iv) ajustamento dos parâmetros de luminosidade e nitidez da imagem final; e v) síntese do par estereoscópico.

Bem, para terminar vou dizer-vos quais as minhas conclusões e por favor tratem de tirar as vossas. Em primeiro lugar, confirmei que hoje em dia é difícil ser original mas continua a ser muito bom estar bem acompanhado. De facto parece que os amadores podem, mesmo sem saber, estar a utilizar abordagens desenvolvidas e aplicadas por profissionais da matéria, e ainda bem que assim é. No meu caso tal parece ser flagrante, pois tenho estado a utilizar no meu processamento de imagens planetárias uma abordagem equivalente à do Timothy Parker nas fotografias do Mars Pathfinder. E se os amadores o fazem não deve ser por acaso mas sim porque, embora com limitações, eles sabem e acima de tudo gostam do que fazem.

Por tal razão, não devemos ter receio em dar asas à nossa imaginação nem ter complexos da nossa condição de amadores. Não devemos também ter medo de confessar a nossa ignorância, mas nunca devemos desprezar a nossa capacidade de observação nem a nossa vontade de aprender. É que se há alguma coisa que ninguém é capaz de negar é a fantástica capacidade de observação dos amadores. Por outro lado, se há coisa que os amadores não gostam de fazer é estar sempre a afirmar os seus conhecimentos para se posicionarem no seu "hobby". Gostam em vez disso de dedicar os seus tempos livres às coisas do céu, e normalmente de um modo tão ingénuo que não pode deixar de ser verdadeiro. Por exemplo, eu gosto de astrofotografia..., de observação planetária..., e de libertar a minha imaginação...

 

IX - ENTÃO..., ESTÃO À ESPERA DE QUÊ?

Espero sinceramente que os meus resultados os tenham convencido que obter boas imagens planetárias não é difícil, e que eu os tenha encorajado a fazer uma primeira tentativa ou a esquecer eventuais "lembranças" do passado. Na verdade, o que é difícil é ter acesso constante a uma atmosfera muito estável, não é obter imagens de planetas.

Nesses raros momentos de óptima estabilidade não hesitem e sigam sempre que possível o critério de amostragem de Nyquist. Estou seguro que alcançarão os melhores resultados que é possível obter.

Quando tal não for praticável por razões técnicas, e na vasta maioria de noites menos favoráveis, por favor não desanimem e muito menos desistam. Avancem directamente para a abordagem por sub-amostragem que vos apresentei e tenho a certeza que ficarão "super" impressionados.

E libertem a vossa imaginação... Os protocolos que apresentei não são específicos para as câmaras SBIG que possuo! Podem ser facilmente adaptados para quaisquer outros modelos ou marcas de câmaras CCD e para uma grande variedade de programas de processamento de imagem.

Finalmente, e em todos os casos, lembrem-se que os resultados serão muito melhores se uma série de 10-30 imagens planetárias, obtidas o mais rapidamente possível, forem correctamente alinhadas e combinadas por média de modo a obter uma imagem final de elevada relação sinal/ruído e resolução melhorada. Uma imagem única, por mais nítida que esteja, nunca terá qualidade suficiente após processamento. Além disso, pensem que ao combinarem muitas imagens estão também a começar a entrar no mundo fascinante da "super-resolução". Então..., estão à espera de quê? MÃOS À OBRA! E que tal hoje à noite?

 

X - REFERÊNCIAS

DRAGESCO, J., 1995. High Resolution Astrophotography. Cambridge University Press, Cambridge.

MARTINEZ, P., e KLOTZ, A., 1994. Le guide Pratique de l'Astronomie CCD. Association Astronomique ADAGIO, Toulouse.

RATLEDGE, D., 1997. The Art and Science of CCD Astronomy. Springer-Verlag, London.

http://www.astrosurf.org/neptune/legault/index.htm - Página pessoal de Thierry Legault. Se não é a melhor, é seguramente uma das melhores páginas de astrofotografia de alta resolução (planetas, lua e objectos do céu profundo) que existe feita por amadores. A qualidade das imagens e a informação técnica que lá são apresentadas tornam este "site" indispensável. É a escola Francesa em todo o seu esplendor...

http://www.asahi-net.or.jp/~rt6k-okn/entrance.htm - Página pessoal de Kunihiko Okano, um astrofotógrafo amador Japonês que, entre outras, produz imagens planetárias de elevada qualidade e alta resolução com uma câmara ST-5C da SBIG (a preto-e-branco e a cores reais). Um dos métodos desenvolvidos por este amador, denominado L-RGB, permite combinar a alta definição de uma imagem a preto-e-branco com a informação cromática de uma imagem RGB, de modo a aumentar consideravelmente a qualidade das imagens planetárias e do céu profundo.

http://www.sbig.com - Página Web da empresa Santa Barbara Instrument Group (SBIG), que fabrica câmaras CCD refrigeradas de excelente qualidade para a comunidade de astrónomos amadores.

http://www.stellarproducts.com/index.html - Página Web da empresa StellarProducts, que fabrica e comercializa dispositivos de óptica adaptativa (nomeadamente o modelo AO-2) que podem ser aplicados à obtenção de imagens planetárias. Além de algumas fotografias e animações, este local contém informação acerca de como obter imagens de alta resolução e também sobre os efeitos da turbulência atmosférica.

http://ic-www.arc.nasa.gov/ic/projects/bayes-group/group/super-res/2d/mpf/ - Uma página da Nasa que contém informação acerca de metodologias que permitem obter uma "super-resolução" a partir da combinação de várias imagens, com menor definição e ligeiramente desfasadas, do mesmo objecto. Estão disponíveis imagens e texto explicativo.

http://mars.jpl.nasa.gov/MPF/parker/anaglyph.html - Magníficos pares estereoscópicos a preto-e-branco e a cores reais, nos quais um efeito de "super-resolução" foi conseguido manualmente pelo Dr. Timothy Parker, do JPL, a partir de imagens obtidas pela câmara da sonda "Mars Pathfinder". T. Parker é também um astrónomo amador, interessando-se por observação e fotografia digital de planetas.


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© A.Cidadão (1999)


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