Sendo a
observação solar uma das minhas actividades preferidas,
é com muita frustação que assisto
ao passar dos dias, muitos sem poder observar, e mais ainda sem
conseguir o registo de imagens, porque os meus locais de
observação são muito deficientes. Estas
condicionantes, levaram me a tentar outras vias para poder registar de
algum modo a actividade solar, acabando por me interessar pelos
respectivos efeitos que esta tem na chamada "Ionosfera".
Em
traços
gerais, podemos dizer que se trata de uma das zonas da nossa
atmosfera onde
se concentram Iões ionizados, particulas electricamente
carregadas,
tendo a actividade solar também enorme influência nestas
zonas.
Dependendo de
vários factores, tais como as
estações do ano, o dia ou a noite, ou as horas do dia,
assim varia a densidade de Iões ionizados na Ionosfera, que
é
composta por várias "camadas", ou "regiões".
Para este caso em
particular, a mais importante é a região "D", a mais
próxima da superfície da Terra,
situada entre os 50 e os 80 km de altitude, e que só
existe durante
o dia. Podemos dizer que esta é "criada" pelo Sol, por um
processo de "fotoionização", sendo muito
interessante registar este fenónemo, que voltarei a referir mais
á frente . A densidade de particulas ionizadas nesta
"região D", tem como consequência a
refracção e reflexão das ondas
electromagnéticas de muito baixa frequência,
as chamadas VLF (Very Low Frequence), tornando possível a
recepção de estações de rádio nestas
frequências, dedicadas ao tráfego maritimo
(submarinos e não só) , de vários paises. É
evidente que, a intensidade
do sinal recebido destas estações, depende do grau de
ionização da "região D", que por sua vez, depende
da "intensidade" da luz recebida do Sol.
Assim, quando
acontecem as "explosões solares", do tipo "flares", o
aumento
súbito do brilho do Sol, vai dar origem a um aumento da
"fotoionização" na "região D", que resulta numa
mais eficiente
refracção e reflexão das emissões em VLF.
São estas
"variações" de amplitude dos sinais que nos dão o
"testemunho" dos eventos solares, de forma indirecta, mas eficiente.
Voltando á "criação" da "região D", trata
se de um fenómeno curioso que resulta numa interessante "curva"
no sinal recebido, referida por PSRH (Pós Sun Rise Hump), ou
seja, "a corcunda do após nascer do Sol". Isto inicia-se
quando
os primeiros raios de Sol começam a iluminar a região da
nossa atmosfera onde se irá formar a "região D", bem
visível na imagem seguinte:
Nesta imagem , com muitos
pormenores interessantes para analisar, vou referir, de momento, apenas
os mais
importantes.
1 - O registo
de
três emissores em VLF ( em 19600 Hz, de
Inglaterra; 20900 Hz, de França ; 22100 Hz, de
Inglaterra)
.
Nestes
registos, apenas o de 19600 Hz ( "B" de França) teve
uma
"curva" clássica de PSRH. Os outros dois tiveram registos
opostos, fenómeno que iremos referir mais á frente.
2- Um registo a vermelho
do "ruido" local, sendo produzido na sua maior parte pelo MST "
Metro Sul do Tejo" que fica a cerca de 30 metros do meu "3ºandar",
no Laranjeiro - Almada. Como
curiosidade, verifica-se que esteve sem circular entre as 02:20h e as
04:50h da madrugada. Embora sem circulação, as linhas
aéreas de alimentação nunca são desligadas,
pelo que o "ruido" eléctrico diminue sensivelmente, mas mantem
se bem visível.
Interessante
também, é comparar os tipos de sinais recebidos: No
periodo nocturno, muito irregular, sem "Região D", em
comparação com o sinal do periodo diurno, muito mais
regular, o que permite de facto a interpretação dos
eventos solares. A possibilidade de se registar mais do que um emissor
é muito importante, para ajudar a evitar
a validação
de "falsos eventos".
Quando acontecem os
"flares", ocorrem os SID´s (Sudden Ionospheric Disturbance)
. O registo destes eventos é muito interessante, pelo seu
significado. Dependendo das condições de
recepção (local e equipamento), assim é possivel
registar eventos de maior ou menor intensidade.
Depois de semanas seguidas de "calmaria", no dia 21 de
Agosto-14, (13:31 UT), registou-se um "flare" de classe M, (M3.4) ou
seja,
considerado "moderado", mas que apesar disso foi suficiente para
pertubar de forma sensivel a Ionosfera e assim perturbar as
comunicações Rádio. De referir, que os "alertas"
de flares emitidos pela NOAA, só começam a partir da
classe M5. Também aqui, o registo
do emissor de França, (20900 Hz - amarelo) , foi oposto
ao registo "clássico". Junta se uma imagem do registo da
NOAA, para confirmação.
Esta imagem simples, com apenas dois registos, é excelente
para abordarmos este fenómeno dos "registos opostos". É
aqui que se percebe fácilmente, como é que
estes eventos podem afectar as comunicações de
rádio. O sinal dos emissores chega ao receptor , por duas vias .
Uma que é o "sinal terrestre", ou de
superfície, designado por "groundwave", e outra que é
refractada , ou reflectida pela Ionosfera (região D), designada
por "skywave".
Dependendo da distância
entre o emissor e o receptor, os dois "sinais" podem chegar com "fases"
distintas. Quando chegam com fases iguais, teremos o "somatório"
de ambos (elevação do sinal), mas se chegarem com fases
inversas, teremos uma "subtracção", que pode até
levar á anulação total do sinal recebido. Sem
pretender entrar em mais pormenores (para não me tornar chato),
direi apenas que se este flare fosse de classe "X", era provável
que a "curva" do registo amarelo (20900 Hz - França), a
descida (ou anulação do sinal) seria tal que,
provavelmente, não haveria recepção deste emissor.
De salientar que estas
frequências VLF, teem uma enorme capacidade de atingir grandes
distâncias. Na imagem seguinte, pode ver se que
é possível receber em Portugal emissões
até da Austrália e da India, mesmo com equipamentos
simplificados.
(Fonte :
www.spaceweather.com)
Obrigado pelo interesse manifestado por " o Sol e a
Ionosfera" :-)
Se gostou do que viu até aqui, talvez aprecie uma visita
á "galeria de SIDs", AQUI