SUPER TEMPESTADE SOLAR
23 de
Outubro 2003 -
Novos dados científicos sobre a maior
tempestade solar até hoje registada,
recentemente descobertos, estão a ajudar um
cientista da NASA a investigar a sua
intensidade e a possibilidade de se repetir
aquilo que sucedeu nos céus e na Terra há
quase um século e meio atrás.
Direita:
Uma imagem do
Sol, na banda do ultravioleta, obtida pela
sonda SOlar and Heliospheric
Observatory (NASA/ESA) a 23 de
Outubro de 2003.
As
ocorrências de 1 e 2 de Setembro de 1859 são
quase lendárias nos meios científicos em que
se discutem flares solares
[N.T.: Grom D.
Matthies, astrónomo amador de longa data e
observador solar há um quarto
de século sendo actualmente o coordenador do
Grupo de trabalho SOL da
União de
Astronomia e Astrofísica em Portugal,
afirma o seguinte -
O termo "flare" é usado quando se
quer referir a uma libertação repentina e
extremamente violenta de energia magnética
(havendo também a possibilidade de
libertar-se matéria) na cromosfera. De
facto, não se trata de uma erupção no
sentido lato. O termo francês ou alemão
"erupção cromosférica ou solar", usado no século
passado por Waldmeier, Kiepenheuer ou mesmo
no dicionário Larousse e da Webster,
tornou-se impreciso e ultrapassado pelos
conhecimentos do Sol adquiridos nas últimas
décadas.
De facto, não se trata de uma erupção no
sentido lato.
O Sol não passa de um corpo de gás e plasma
permanentemente sacudido por erupções de
vários tipos. Um flare é uma das
variantes dessas erupções, cujo termo é
sobejamente conhecido e não tem tradução
para Português. Há
também flares que fazem um movimento
descendente na cromosfera e se manifestam
durante alguns segundos ou minutos na
fotosfera, e temos os "flares em luz
branca". Outro termo e fenómeno
relacionado com os flares são os "bursts",
os quais se referem basicamente a uma
libertação espontânea de energia (não de
matéria) na corona, isto é, não se trata de
uma erupção.]
, tempestades
magnéticas e outros eventos extraordinários
relativos à nossa estrela. Mesmo há 144
anos, muitos dos habitantes da Terra se
aperceberam na altura que algo de tremendo
tinha ocorrido. No espaço de poucas horas as
linhas telegráficas da Europa e dos Estados
Unidos entraram espontaneamente em
curto-circuito, provocando inúmeros
incêndios, e a aurora boreal, um fenómeno
ligado à actividade solar e que se manifesta
geralmente em regiões próximas do Pólo
Norte, foi observada em locais tão a Sul
como Roma, Havana e Hawaii, verificando-se o
mesmo tipo de ocorrência na região do Pólo
Sul.
O que aconteceu em 1859 foi uma combinação
de vários eventos solares que ocorreram
simultaneamente. Se tivessem ocorrido em
separado, qualquer um deles seria já algo de
notável. Juntos, provocaram a maior
perturbação da ionosfera terrestre de que há
registo. "O que eles geraram foi a
tempestade espacial perfeita," afirma Bruce
Tsurutani, físico de plasmas do Jet
Propulsion Laboratory, um
laboratório pertencente à NASA.
Para começar a compreender esta tempestade
perfeita, é necessário entender primeiro os
números prodigiosos com que os físicos de
plasmas como Tsurutani trabalham todos os
dias. O Sol, possuindo um diâmetro de mais
de 1,4 milhões de quilometros, contém 99,86%
de toda a massa do Sistema Solar: dentro
dele caberiam muito mais de um milhão de
Terras. Em média, a
taxa de emissão de energia do
Sol é
3,83x1021
quilowatts
[N. T.:
Guilherme de Almeida, astrónomo amador
de longa data e professor de Física, anota - A energia mede-se em joules (J); a potência
mede-se em watts (W), ou seja, joules por
segundo ( J/s). A taxa de emissão de energia do
Sol também pode ser denominada de potência
radiante do Sol. Trata-se de uma taxa
temporal, ou seja, é definida em termos de
energia por segundo (1 J/s = 1 W - 1 joule
por segundo = 1 watt). O valor
3,83x1021
kW (quilowatts) equivale a 3,83 x 1021
x 103
W = 3,83x1024
W]
,
o equivalente à energia
libertada por 100 mil milhões de toneladas
de TNT explodindo a cada segundo.
Mas a libertação de energia pelo Sol não é
constante. Uma inspecção atenta à sua
superfície revela-a como um emaranhado
turbulento de campos magnéticos e jactos
arqueados de plasma fervente, salpicada
por manchas escuras e errantes.
De vez em quando – os cientistas não são
ainda capazes de adiantar o momento preciso
– ocorre na superfície do Sol um evento que
liberta uma gigantesca quantidade de energia
sob a forma de um flare solar
ou de uma
ejecção de massa coronal, a expulsão de
gases muito quentes e ionizados, numa massa
que pode ser superior à do Evereste.
Abaixo:
Estas auroras boreais surgiram sobre o
Wisconsin a 22 de Outubro de 2003. Durante a
super tempestade de 1859, estas luzes foram
observadas tão a Sul como Cuba e Hawaii.
O que se passou durante os
dias de canícula do Verão de 1859
[N.
T.: Canícula é o nome dado à estrela Sirius na constelação Canis Major. Aqui
refere-se à época, em que Sirius e o Sol estão
em conjunção que ocorre num período
compreendido entre 22 de Julho a 23 de
Agosto, ou seja, no pino do Verão]
,
e que afectou o enorme golfo do espaço
interplanetário entre o Sol e a Terra
distanciados, em média, de 150 milhões de
quilómetros, foi isto: a 28 de Agosto,
observadores notaram o desenvolvimento de
numerosas manchas na superfície do Sol.
Estas manchas são áreas limitadas de
magnetismo extraordinariamente intenso. Os
campos magnéticos responsáveis
entrelaçam-se, e em resultado dessa
actividade pode dar-se uma repentina e
violenta libertação de energia a que é dado
o nome de flare solar. Entre 28 de Agosto e
2 de Setembro foram observadas várias destes
flares. Então, a 1 de Setembro, o Sol
produziu um gigantesco flare. Durante quase
um minuto, a quantidade de luz que o Sol
produziu na área do flare foi o dobro do
normal.
"Com o flare, ocorreu a libertação de uma
nuvem maciça de material magnetizado, aquilo
a que chamamos uma ejecção de massa coronal,"
disse Tsurutani. E notou: "Nem todas se
dirigem para a Terra. As que o fazem, levam
normalmente 3 ou 4 dias a atingir-nos. Esta,
pelo seu lado, levou precisamente 17 horas e
40 minutos."
Abaixo:
Os coronógrafos da SOlar Heliospheric
Observatory obtiveram este filme de
uma ejecção de massa coronal que se dirigiu
para a Terra a 22 de Outubro 2003. Os cientistas
da National Oceanic Atmospheric
Administration prevêem que esta
ejecção de massa coronal provoque uma
tempestade geomagnética quando atingir a
Terra por volta de 24 de Outubro 2003, mas nada
de tão severo como em 1859.
Esta ejecção de
massa coronal não se limitou a ser
extremamente veloz, já que os campos
magnéticos que continha eram muito intensos
e directamente opostos ao campo geomagnético.
Isso significa que a ejecção de massa
coronal de 1 de Setembro de 1859 suplantou o
próprio campo magnético terrestre e permitiu
que partículas carregadas penetrassem nas
altas camadas da atmosfera. O resultado
final de um evento estelar como este é um
esplendoroso espectáculo de luzes, e algo
mais – incluindo a possibilidade de fortes
perturbações de redes eléctricas e sistemas
de comunicação.
Em 1859 tinham
passado apenas 15 anos desde a invenção do
telégrafo, e a rede eléctrica pública estava
verdadeiramente na sua infância. Em 1994,
uma tempestade solar provocou graves avarias
em dois satélites de comunicações que
perturbaram os serviços noticiosos de
jornais, cadeias televisivas e o serviço da
rádio nacional do Canadá. Outras tempestades
afectaram vários sistemas, tais como
telemóveis, sinais de TV, Global Positioning
System e redes eléctricas. Em Março
de 1989, uma tempestade muito menos intensa
que a tempestade perfeita de 1859 provocou
uma falha da rede eléctrica da Hydro-Quebec
(empresa canadiana) que durou nove horas e
resultou em danos e perdas estimados em
várias centenas de milhões de dólares.
"A pergunta que mais vezes me põem é,
'Uma
tempestade solar perfeita pode acontecer de
novo? E quando?' " acrescentou Tsurutani.
"Eu respondo que sim, e que pode mesmo ser
mais intensa que a de 1859. Já quanto a
dizer quando, muito simplesmente, não
sabemos," disse.
LINKS |
SpaceWeather.com
informação
actualizada sobre actividade solar e
auroras.
NOAA
Space Environment Center
a fonte oficial de dados e previsões
sobre o tempo espacial.
SOHO
da SOlar and Heliospheric
Observatory.
The Hydro-Quebec Blackout of March 1989
no dia 13 de Março de 1989, às 2 h 44
min da manhã, uma falha no transformador
de uma das principais linhas de
transmissão de energia da HydroQuebec
provocou o colapso de toda a rede
eléctrica.
Geomagnetic Storms Can Threaten Electric
Power Grid
a imensa rede eléctrica da América do
Norte assemelha-se a uma gigantesca
antena, atraindo as correntes eléctricas
induzidas pelas grandes tempestades
solares.
The Biggest Explosions in the Solar
System
da Science@NASA. A sonda RHESSI da NASA
vai tentar deslindar uma questão
explosiva: a origem dos flares solares.
Solar Flares on Steroids
da Science@NASA. Os flares solares que
atingem a atmosfera terrestre são
comuns. Mas os cientistas descobriram
que todos os anos ocorrem algumas com
algo de diferente: têm origem em
estrelas a milhares de anos-luz da
Terra.
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