09/11/2002
Local:
Vila Nova de São Bento - 37,9170º N -
7,4170º O. Na primeira parte da observação -
No interior da vila... nas traseiras da
casa. Na segunda parte da observação - Junto
ao cemitério...
Data: 9 de Novembro
2002
Hora: 18 h 30 min - 19 h 30
min UTC e 22 h 00 min - 22 h 30 min
UT
Magnitude zenital: por volta
de 13,5 no dobsoniano BrighStar modelo
SpaceWalker 8" (20 cm)
Condições luminosas: Na
primeira parte da observação - Postes de
iluminação a Sudoeste do pátio. Na segunda
parte da observação - Parca poluição
luminosa a Sul, e poluição luminosa
proveniente dos faróis de carros (raro).
Condições atmosféricas:
Antoniadi II. Céu transparente e estável.
Boas condições, no mínimo. Na segunda parte
da observação - Muita humidade.
Condições locais: Na primeira
parte da observação - Obstrução do horizonte
para Norte, Oeste e Sudoeste. Acessível só a
partir de Este, Sudeste e Sul. Na segunda
parte da observação - Obstrução parcial na
direcção Sudoeste pela igreja, de resto
horizonte desimpedido.
Temperatura: 8 ºC
Equipamento: Telescópio
dobsoniano com montagem altazimutal
(simplificada) da BrightStar (modelo
SpaceWalker) f/6 de 8" (200 mm = 20 cm) com
Quickfinder; ocular Plössl 25 mm; ocular
Plössl 9 mm; livro "Observar o céu profundo"
de Guilherme de Almeida e Pedro Ré; Sky
Atlas 2000.0 Field Edition de Wil Tirion e
Roger W. Sinnott; cadeira de cozinha...
Técnicas utilizadas: Visão
lateral, método de localização " de estrela
em estrela" – as habituais.
Convido-vos a ler este enorme texto. O
presente relato é muito forte em termos
emocionais. Não aconselho a leitura para os
mais sensíveis. :))) Na noite de Sábado,
dia 9 de Novembro de 2002, efectuei mais uma
observação repartida por duas partes. A
primeira teve lugar no pátio da casa (Vila
Nova de São Bento)... e a segunda... junto
ao cemitério (nos arredores de Vila Nova de
São Bento - cerca de 1 km)... Foi de facto
uma noite fantasmagórica e mádida... A
primeira teve como alvo preferencial a
Lua. A segunda parte da observação
constituiu um grande risco pessoal.
Desloquei-me sozinho para um sítio
ermo. Tenho consciência que é muito perigoso
mas o entusiasmo era muito forte. Tanto que
apesar de a minha mulher, muito preocupada
comigo, insistir por várias vezes para não
ir... (mesmo assim) acabei por ir observar um
céu daqueles. No entanto, acedi em ficar só
por uma hora a observar e levar os dois
telemóveis... O local é percorrido a 200
metros por uma estrada da qual passam
pouquíssimos carros, a Sul nota-se a parca
poluição luminosa de Vila Nova de São Bento.
De resto não há qualquer outro tipo de fonte
de poluição luminosa. O céu virado para
Norte, Este e parte de Oeste é magnífico.
Vê-se a galáxia do Triângulo a olho nu. É
claramente um local de classe 3 (segundo a
lista que o nosso colega Luís Carreira
enviou para a lista). Um pouco mais a Norte
há locais com classe 2. Neste céu a ocular
presenteava-me com estrelas bem mais pálidas
do que com as quais estou habituado a ver.
Vi estrelas de magnitude 13-13,5. Portanto
não é difícil imaginar a miríade de pontos
luminosos que perpassavam na ocular.
O querer gemer com o céu é vir observar onde
estive. O querer sentir-se parte do céu é
vir observar para este céu ínclito. O querer
sentir que fazemos parte de algo grandioso
que nos esmaga é vir ao sítio onde marquei
presença. A certa altura na direcção de
Cygnus a minha mente imbuiu-se com as
estrelas. Inebria-me céu! Se não houvesse
céu, ou para quem já o céu não tem
significado, a vida seria/á muito mais
triste. Mesmo para aqueles a quem pensam que
a vida material lhes preenche o vazio e nada
mais interessa. Isso é vã e pura ilusão! Mas
o céu está sempre a acompanhar-nos seja como
for. É um conforto saber isso. É
reconfortante. Foi numa altura menos boa que
me agarrei ao céu o qual me deu alento e
conforto. Continuo e continuarei a
respeitá-lo e acima de tudo a admirá-lo.
Lembrem-se que o céu já foi muito mais
importante para os humanos. Basta olhar para
os nossos longínquos ascendentes. Vem
maravilhosamente descrita os sentimentos e
os pensamentos de um homem das cavernas, um
iluminado, acerca do céu na bela obra
poética COSMOS do saudoso Carl Sagan (das
melhores que tenho lido). OLHAR PARA O CÉU É
UM ACTO SUPREMO DA NATUREZA. É o que eu
penso. É tudo o que resume o eterno fascínio
que sinto lhanamente pelo firmamento
estelar. E para os caros amigos/as que estão
a ler estes excertos de um "louco" :)) pelo
céu, que pensam quando olham para o céu?
Sim, vocês...
Aqui é adequado incluir uma frase
que dois astrónomos que solicitaram para
colocar no seu epitáfio... Amámos demasiado
as estrelas para recearmos a noite. Pois que
a luz nos dá o conhecimento, nos ilumina,
nos inebria e protege-nos do medo, da
ignorância, do preconceito, da escuridão, da
noite. A noite foi fantasmagórica pois foi
algo estranho estar a observar perto de um
local cheio de pessoas que já não respiram,
já não sentem... Para que não fiquem com uma
ideia errada: de maneira nenhuma sou um
mórbido. Foi uma hipótese de local para
poder ter um céu digno de se observar.
Noite mádida pois que a humidade
foi atroz e embaciou o buscador e oculares
em meia hora de observação. Agora é altura
de passar à descrição do que foi observado
durante a noite.
Observação efectuada entre as
18 h 30 min e as 19 h 30 min UT:
Aqui a Lua foi o alvo... É curioso como a
Lua é tão esquecida pelos astrónomos
amadores. É paradoxal que, apesar de ter
sido uma das "responsáveis" que iniciou
muitos astrónomos neste mundo da Astronomia,
seja esquecida depois de iniciarem o estudo
do céu. Talvez por perturbar a observação de
objectos do céu profundo que parece mostrar
um maior desafio na sua procura e detecção.
Talvez por parecer algo monótona a
observação de uma cratera, e mais outra...
tal deve-se a um gritante desconhecimento do
que se está realmente a observar. Vou
tentar, modestamente, recriar e incentivar o
gosto pela observação da Lua. Este satélite
natural encerra muito mais segredos do que
se possa pensar. É preciso explorá-la. Por
isso vamos descolar e partir em direcção ao
corpo que dança com o pequeno ponto azul
desde aquela provável colisão de um
asteróide do tamanho mais pequeno que o
planeta Marte de com a Terra que o
originou. Cintos apertados? Vamos alunar e
iniciar a aventura! Hoje estive alunado no Mare Tranquilitatis = mar da Tranquilidade e
passei perto de Lacus Temporis = Lago do
Tempo (que belíssimo e poético nome! fez-me
lembrar um pouco um quadro do
excêntrico Salvador Dali...) onde observei a
cratera ATLAS (no quadrante Nordeste da
Lua). Recordo-me de um pico central
brilhante mas não muito saliente. A cratera
Atlas conjuntamente com a parceira cratera
Hercules constitui um dos pares mais
curiosos que se pode observar na Lua. Atlas
possui cerca de 89 km de diâmetro, o
equivalente entre a distância entre Válega
e Coimbra. :) As paredes que revestem a
cratera variam entre 2750 m e 3500 m de
altura! Bem maiores do que a Serra da
Estrela... Aliás se pensarmos nas dimensões
relativas da Lua e da Terra,
ainda ficaremos MAIS assombrados por
tamanhas altitudes. Em comparação, essas
altitudes na Lua, aqui equivaleriam a uma
altitude bem MAIOR do que a do monte
EVERESTE! Portanto, vejam que a Lua
tem formações bem mais
imponentes relativamente às da Terra. E o
modo de formação dessas montanhas obviamente
é diferente das que temos cá na Terra. Na
Lua, não há indícios de tectónica de placas.
A maioria dessas cadeias montanhosas da Lua
resultaram de um impacto de um asteróide /
cometa contra a sua
superfície. Continuando... Por curiosidade,
Atlas, segundo a mitologia grega, era um
titã. Atlas, após a derrota dos titãs, foi
condenado por Zeus a suportar o céu na
extremidade Oeste do mundo. O nome Oceano
Atlântico deriva do seu nome. Não vou
incluir todas as formações observadas pois
foram muitas as que observei pelo que só
destacarei algumas. Entre elas chamou-me à
atenção a cratera situada a Oeste da cratera
Atlas: cratera Chevallier. Uma cratera
desintegrada, na qual a mais pequena estava
na mais completa escuridão. Outra do mesmo
género é a cratera de Hall situada a sul da
cratera Atlas. Aqui apreciei a enorme parede
projectada na superfície lunar. Uma imagem
assombrosa. Outra visita teve passagem pelo
Mare Fecundidatis = mar da Fecundidade onde
existe a cratera do grande MAGALHÃES - o
famoso navegador português que efectuou a
primeira circum-navegação. Trata-se de uma
cratera com uma superfície muito escura não
evidenciando qualquer pico central, cujas
paredes parecem ser contínuas.
Observação efectuada entre as 22 h
00 min e as 22 h 30 min UT:
A visão que tive da
galáxia do
Escultor = NGC 253 = PGC 2789 = ESO 474-29 =
MCG -4-3-9 = UGCA 13 foi a melhor que
já pude ter a oportunidade de observar.
Via-se perfeitamente a galáxia de perfil em
todo o seu esplendor, na ocular Plössl de 25
mm. No quadrante seguidor Sul = south
following (considerando a imagem invertida
que se tem da ocular) eram visíveis duas
estrelas de magnitude aproximada de 9. No
interior da galáxia, era visível um núcleo
brilhante e algumas estrelas muito ténues.
No buscador 9x50 era possível ver uma mancha
esbatida da galáxia por visão directa. Outro
objecto que me cativou nesta noite
fantasmagórica foi o enxame Fantasma = NGC
7789 = OCL 269. Trata-se de um enxame
estelar aberto. Parece desaparecer por vezes
na ocular daí o seu nome Fantasma. Parece um
fino véu de estrelas que esvoaça ao sabor do
vento estelar... Visíveis centenas de
estrelas que faz estranhar um pouco dada a
sua natureza de enxame aberto. Confunde-se
por vezes com um enxame globular. A sua
localização é fácil, mas a sua detecção é um
pouco mais complicada já que os céus escuros
não abundam por aí e estes ajudam a criar um
maior contraste. Tentei procurar por NGC 891
que é uma galáxia com brilho superficial
muito baixo e com magnitude integrada
aproximada de 13, mas ainda não consegui
apontar para o dito objecto. Terá de ficar
para uma outra noite. Uma das observações
que me captou a atenção foi a provável
observação da Nebulosa da Hélice = NGC 7293
= PK 36-57.1 = ESO 602-PN22 (?) por visão
lateral no buscador 9x50. Vislumbrei uma
forma circular muito atenuada com um
relativo enorme diâmetro aparente. Mas houve
uma visão inesquecível das, que eu considero
ser, jóias mais belas que temos no
Hemisfério Norte: o duplo enxame de Perseus
= NGC 884 / NGC 869. Dava ao céu outro ar.
Um olhar atento na ocular Plössl 25 mm e
ficava siderado por tão rico enxame de
estrelas!!! E, como que a segurar o enxame,
havia um colar de estrelas que nos indicava
o caminho em direcção à Cassiopeia. No fim
deste colar, vislumbrei o já visto Stock 2 -
enxame estelar aberto.
Para se poder apreciar melhor o enxame duplo
usei o buscador pois o seu campo de visão é
maior do que o que nos mostra o telescópio.
Apontei o telescópio para a famosa Nebulosa
América do Norte = NGC 7000 em Cygnus, mas,
neste caso não sei se consegui ver... o que
vejo são zonas de maior luminosidade
contrastadas com zonas de baixa
luminosidade, mas nada de contornos de um
"continente" nebuloso. Num telescópio
dobsoniano 8" sem qualquer filtro num céu
razoavelmente escuro que se poderá ver numa
ocular Plössl de 25 mm? Além destes
objectos, percorri os céus para ver M15
e M2.
Apontei já no final da sessão, que demorou
só meia hora devido à intensa humidade que
se fazia sentir, para a estrela dupla
Polaris e a 49ª estrela mais brilhante do
céu e para Saturno. Infelizmente já não deu
para poder observar pormenores do planeta em
voga pois a humidade não dava espaço para
mais observação.
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