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TERÁ GALILEO ERRADO?

 

6 de Maio 2004 - Há 400 anos - diz a história. - Galileo começou a deixar cair coisas da Torre Inclinada de Pisa: bolas de canhão, balas de mosquete , ouro, prata e madeira. Ele esperava que os objectos mais pesados caíssem mais rápido. Tal não sucedeu. Eles atingiram o chão ao mesmo tempo, e ele fez uma grande descoberta: a gravidade acelera todos os corpos a uma mesma razão, independentemente da sua massa ou composição.

 

Direita: Um esboço da lendária experiência de Galileo.

 

Hoje em dia, isto é chamado "Universalidade da queda livre" ou "princípio da equivalência" e é um dos pilares da actual Física. Em particular, Einstein construiu a sua teoria da gravidade, isto é, a teoria geral da relatividade, assumindo que o princípio da equivalência é verdadeiro.

 

Mas e se estivesse errado?

 

"Algumas teorias actuais, na realidade, sugerem que a aceleração da gravidade depende da composição  material do objecto de uma forma muito subtil," diz Jim Williams, um físico do Jet Propulsion Laboratory da NASA. Se assim for, a teoria da relatividade precisaria de ser revista - haveria uma revolução na Física.

 

Um grupo de investigadores financiado pela NASA irá testar o princípio da equivalência ao emitir feixes de laser para a Lua.

 

"A medição  por laser da distância lunar é uma das ferramentas mais importantes que temos para procurar  falhas na teoria geral da relatividade de Einstein," diz Slava Turyshev, um cientista do JPL que trabalha com Jim Williams e outros no projecto.
 

Esquerda: Uma série de retrorreflectores deixados na Lua por astronautas da Apollo 14. Espelhos semelhantes foram colocados por astronautas da Apollo 11 e Apollo 15 e por um par de rovers Lunokhod da era soviética.

 

A sua experiência é possível porque, há mais de 30 anos, astronautas das missões Apollo colocaram espelhos na Lua - uma série de pequenos retrorreflectores que podem interceptar feixes de laser da Terra e reenviá-los de volta à Terra. Usando lasers e espelhos, os investigadores podem "alvejar" a Lua e monitorizar com precisão o seu movimento em torno da Terra.

 

Trata-se de uma versão actualizada da experiência da Torre Inclinada de Pisa. Em vez de deixar cair bolas para o solo, os investigadores observarão a Terra e a Lua a cair em direcção ao Sol. Como as balas de mosquete e as bolas de canhão em queda a partir da torre, a Terra e a Lua são compostas de uma mistura de elementos diferentes, e têm massas diferentes. Serão aceleradas na mesma razão em direcção ao Sol? Se afirmativo, o princípio da equivalência manter-se-á. Em caso contrário, a revolução pode estar a caminho.

 

Uma violação do princípio da equivalência revelar-se-ia como um desvio na órbita da Lua, quer na direcção do Sol quer na direcção oposta. "Usando massas tão grandes como a da Terra e a da Lua, poderemos ser capazes de mostrar este efeito subtil, se realmente existe," anota Williams.

 

Os cientistas têm estado a "alvejar" a Lua desde os dias da missão Apollo. Até hoje, a teoria geral da relatividade de Einstein - e o princípio da equivalência - tem resistido, com uma precisão de poucas partes em 1013. Mas não é suficientemente boa para testar todas as teorias em compita para derrubar a teoria de Einstein.

 

A actual medição por laser lunar pode determinar a distância à Lua - grosseiramente 385 000 km - com um erro de cerca de 1,7 cm. A partir deste Outono, um novo equipamento financiado pela NASA e National Science Foundation irá aumentar esta precisão 10 vezes mais para apenas 1 mm a 2 mm. Este salto na precisão significará que os cientistas podem detectar desvios da teoria de Einstein 10 vezes mais pequenos do que é possível actualmente, o que pode ser suficientemente sensível para encontrar as primeiras evidências de falhas.

 

Para atingir esta precisão, o equipamento, chamado Apache Point Observatory Lunar Laser-ranging Operation deve cronometrar a viagem ida e volta dos impulsos de laser enviados para a Lua dentro de poucos picosegundos, ou cerca de 10-12 segundos. A velocidade da luz é conhecida - tem cerca de 300 000 km/s - portanto ao medir o tempo de viagem para o pulso de laser informa os cientistas relativamente à distância entre o telescópio APOLLO e o espelho localizado na superfície da Lua.
 

Direita: A medição do laser lunar funciona disparando impulsos de laser para os reflectores na superfície da Lua e captando os fotões que regressam. Aqui mostra-se a experiência da medição de laser.
 

Como é que o projecto APOLLO permite atingir esta melhoria de 10 vezes? Antes de mais, usa um  telescópio maior que o anterior no observatório McDonald no Texas - 3,5 m contra 0,7 m. O espelho maior permite que APOLLO capte mais fotões de luz que regressam da Lua, explica Tom Murphy, um professor na Universidade da California, San Diego, e o cérebro que está por trás do projecto APOLLO. O telescópio mais pequeno, em média, capta um único fotão de cada 100 impulsos de laser emitidos (cada impulso contém mais do que 1017 fotões!); o telescópio APOLLO captará cerca de 5 fotões a cada pulso, que melhorará grandemente a força estatística dos resultados.
 

Várias perturbações potenciais tiveram de ser estimadas.  A atmosfera da Terra, por exemplo, pode distorcer o caminho do impulso de laser, da mesma forma que faz com que a luz das estrelas cintile e tremule. E os pequenos movimentos tectónicos da superfície abaixo do observatório APOLLO, tipicamente poucos centímetros por ano, pode falsear os resultados a longo prazo. Por isso, os responsáveis pelo projecto escolheram o cume de uma montanha próximo de White Sands, New Mexico, que goza de uma atmosfera particularmente calma e um solo relativamente estável. Adicionalmente, eles instalarão um gravímetro supercondutor e um sensor Global Positioning System ao lado do observatório para detectar pequenos movimentos lentos do solo, e uma série de barómetros de precisão farão um mapa do estado da atmosfera.

 

Esquerda: As localizações dos retrorreflectores lunares. Os sítios assinalados com "A" são os locais de aterragem da Apollo. Os sítios marcados com "L" denotam a presença dos rovers soviéticos.

 

Williams e Turyshev recentemente receberam uma permissão da Office of Biological and Physical Research da NASA para melhorar o software de análise da medição do laser lunar por uma ordem de magnitude que coincida com a capacidade do local do New Mexico. "Será necessário lidar com muitos efeitos pequenos à escala milimétrica," anota Turyshev.

 

Através da análise cuidadosa de tais pequenos efeitos, a universalidade da queda livre... pode cair.

 

Muitos físicos dariam as boas vindas a novidades. Eles têm ficado intrigados durante anos pela curiosa incompatibilidade entre a teoria geral da relatividade e a mecânica quântica. As duas teorias, tão bem sucedidas nos seus próprios domínios, são como linguagens diferentes descrevendo o Universo de formas totalmente diferentes. Descobrir uma falha nos alicerces da relatividade poderia conduzir a uma nova "Teoria do Tudo", finalmente combinando a Física quântica e gravidade numa estrutura harmoniosa.

 

De Pisa, Itália; à Lua, a White Sands, New Mexico: isto é uma experiência de longo alcance, abarcando centenas de anos e centenas de milhares de quilometros. Em breve, talvez, tenhamos as respostas.

 

LINKS

 

Os fundos para a APOLLO provêm da Astrophysics and Physics Research e da Analysis division do Office of Space Sciences, Code SZ, da NASA; e da National Science Foundation.

The legend of the leaning tower  da Physicsweb. Os historiadores não têm a certeza se Galileo alguma vez realizou as experiência na Torre Inclinada de Pisa. Então porque, pergunta Robert P Crease, a história se tornou parte do folclore da Física?

Galileo's experiment ... on the Moon  da NASA. Longe da Terra, os astronautas da Apollo 15 verificam por si próprios o princípio da equivalência.

Fundamental Physics in Space: Lunar Laser Ranging  da JPL.

APOLLO facility  da UCSD. Informação sobre o novo instrumento de medição laser, de Tom Murphy.

Lunar retroreflectors  da UCSD. Aprenda mais sobre os espelhos retrorreflectores na superfície lunar.

Direita: Um rover lunar da era soviética, Lunokhod, com uma série de retrorreflectores salientes na frente. Os dois reflectores do Lunokhod ainda são usados hoje, juntamente com os espelhos da Apollo, para medição lunar.

Results from lunar laser ranging  da NASA. LLR é bom para fazer muito mais que verificar a teoria de Einstein.

Evicting Einstein  da Science@NASA. Uma experiência física a bordo da ISS poderá ajudar a descobrir a "Teoria do Tudo."

In Search of Gravitomagnetism  da Science@NASA. A sonda Gravity Probe B da NASA deixou hoje a Terra à procura de uma força da natureza, suspeitada  há muito mas nunca provada: o gravitomagnetismo.

A Pocket of Near-Perfection  da Science@NASA. Uma das experiências físicas mais precisas de sempre está agora a orbitar a Terra: a sonda Gravity Probe-B. Os seus construtores criaram uma "bolsa de quase-perfeição" no interior da sonda onde giroscópios em rotação podem sentir o torcer do espaço-tempo em torno da Terra.

Improving Lunar Laser Ranging Tests of Gravitational Theory  da conferência sobre Fundamental Physics in Space  realizada em 2003 pela NASA/JPL.

 

 

 

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