Pátio 368 - A Anã do Dragão
Noite aparentemente limpa de nuvens, com algum vento e uma neblina que foi adensando ao longo da noite, num céu urbano com magnitude perto de 3 no zénite.
Desta vez fui visitar a extensa constelação do Dragão (Draco), que facilmente se pode imaginar das suas estrelas mais brilhantes, rodeia grande parte da constelação da Ursa Menor. Esta constelação é a oitava em área (1083º quadrados) sendo visível entre Março e Setembro.
Para além do único objecto Messier de atribuição não muito certa, o Messier 102, alberga também algumas galáxias interessantes, uma planetária icónica Este "Olho-de-gato" e vários estrelas duplas e múltiplas, algumas delas binoculares.
De notar que a estrela mais brilhante desta constelação não é a alfa (α) Draconis "Thuban" (mag. 3.66), mas sim a gamma (γ) Draconis "Eltanin" (mag. 2.2). A "Thuban" foi estrela brilhante mais próxima do polo norte circa 2700 A.C. tendo sido a estrela polar das civilizações Egípcia e da Babilónia, daí a sua importância histórica.
16, 17 Draconis
Este sistema binário (STFA 30 AC) pode ser observado com praticamente qualquer binóculo, constituído por duas estrelas branco-azuladas quase gémeas, de magnitudes 5.38 (A0) e 5.50 (A2) respectivamente e amplamente separadas por 90.2".
16, 17 Draconis |
nu2 (ν2) Draconis
Este sistema binário (STFA 35), também conhecido por "Kuma" é por sua vez, praticamente gémeo na aparência com o sistema anterior, mas ligeiramente mais brilhante, com magnitudes de 4.87 (A8) e 4.90 (A4) respetivamente e um pouco mais próximas a 62.3", fazendo parte das cinco estrelas que formam a "cabeça" do dragão.
nu2 (ν2) Draconis |
16, 17 Draconis & nu2 (ν2) Draconis |
Galáxia Messier 102 (NGC 5866 ?)
A galáxia Messier 102 é considerada uma observação duplicada da Messier 101, galáxia que se encontra relativamente perto a cerca de 6º. mas é por vezes é associada à galáxia mais brilhante da região que poderia ser observada com os instrumentos da altura, sendo uma possível candidata esta galáxia descoberta por William Herschel em 1788, a NGC 5866 (SA0), uma galáxia lenticular quase de perfil com perto de magnitude 10 e alto brilho de superfície (12.2), com um notório disco de poeira ao longo de grande parte da sua extensão.
Está relativamente isolada a 14 Mpc (45 milhões anos-luz), formando provavelmente um amplo grupo físico com as galáxias NGC 5907 (capturada abaixo) que está a cerca de grau e meio de distância e a galáxia NGC 5879 a pouco mais de um grau, com as quais partilha um "redshift" similar.
No notável livro Deep-Sky Companions - The Messier objects do igualmente notável observador visual Stephen James O'Meara é contada a longa e atribulada história deste Messier 102.
Galáxia Messier 102 (NGC 5866 ?) |
Galáxia NGC 5907
Também esta descoberta por William em 1788, a galáxia NGC 5907 (Sc spw) está quase perfeitamente de perfil com uma inclinação de 89º, que lhe dá uma forma que inspirou o nome popular "Splinter Galaxy" ou "Knife Edge Galaxy", numa tradução livre "Galáxia Gume de Faca". Esta galáxia é maior que a nossa, com cerca de 120000 anos-luz de extensão em comparação com 89000 anos-luz e cerca do dobro das estrelas (225 mil milhões, se a Via Láctea tiver 100 mil milhões). É também considerada uma galáxia análoga à nossa, e tem sido estudado a "fluxo estelar" dos seus enxames globulares (cerca de 157) originados em galáxia satélite em disrupção, que faz com que comparativamente com a grande maioria das espirais, tenha uma percentagem muito baixa de estrelas gigantes. Está situada a ~14 Mpc.
Esta galáxia também tem perto da magnitude 10, mas um brilho de superfície (13.3) mais baixo que a NGC 5886 (12.2) pois está "espalhado" pela a sua maior dimensão aparente 12.60'x1.4'. A titulo de curiosidade foi atribuído o NGC 5906 à parte oeste da linha de poeira, Herschel na altura, e Dreyer posteriormente julgaram serem dois objectos distintos.
Galáxia NGC 5907 |
Galáxia Anã Esferoidal do Dragão (UGC 10822)
Não me perguntem como foi possível detetar esta galáxia com apenas 1 hora de exposição, ainda por cima neste céu... Não foi coincidência ter escolhido tentar capturar esta ténue galáxia num intervalo de uma hora perto do seu trânsito do meridiano, altura que estava a mais de 70º de altitude, mas uma coisa é certa, a magnitude estelar anda perto de 18 e estão bem visíveis na imagem galáxias com magnitude mais ténues que 16...
A galáxia Anã do Dragão (dSph) pertence ao Grupo Local e está muito próxima a 0.080 Mpc (260000 anos-luz), sendo satélite da Via Láctea.
Esta galáxia é uma anã esferoidal (dSph) e devido a serem muito pequenas, terem muito pouca luminosidade e muito baixo brilho de superfície, ainda só foram observadas no Grupo Local, explicando talvez a razão desta apenas ter sido descoberta em 1954 por Albert Wilson nas placas fotográficas do Palomar Observatory Sky Survey (POSS).
Com um pouco de atenção e paciência, é possível ver a galáxia denunciar-se como uma muito ténue nebulosidade de estrelas não resolvidas no centro da imagem. A dimensão da galáxia é 35.5′×24.5', que ocuparia grande parte da área total da imagem abaixo, talvez possível de captar mais sinal com um telescópio de maior abertura, muito mais tempo de exposição, e claro, um céu bem mais escuro. Pode-se ainda observar pelo menos três galáxias: a UGC 10811 (mag. 15.1) , a PGC 140771 (mag. 16.4) e a 2MASX J17202953+5804552 (mag. ~15)
Galáxia Anã Esferoidal do Dragão (UGC 10822) |
Enxame globular NGC 6229
Aproveitando estar nas redondezas, fiz uma imagem rápida do enxame globular NGC 6229 (IV) de magnitude 10 e distando 30.0±1.5 kpc (~97000 anos-luz), é aparentemente pequeno com 4.5' e pouco luminoso e não muito resolvido devido à sua distância, formando um triângulo com duas estrelas amarelas (F5) de magnitude 8.0 e 8.4. De todos os enxames globulares descobertos na constelação de Hércules falta o Palomar 14, a visitar oportunamente.
Este globular foi descoberto por William Herschel em 1787, classificando-o erradamente como uma nebulosa planetária, talvez por ser pequeno redondo e azulado e estrelas não resolvidas (as mais brilhantes começam na magnitude 15), tendo posteriormente em 1819, Jean-Louis Pons (o descobridor do cometa de abril passado). confundido este globular com um cometa e resgatou o "prémio" à princesa Maria Louisa de Bourbon, sua patrona.
Enxame globular NGC 6229 |
Sobre o Grupo Local
O Grupo Local que é definido como uma esfera com 1 Mpc (3.26 milhões anos-luz) de raio centrada na Via Láctea, onde até ao fim do século XX foram descobertas 35 galáxias, as chamadas "clássicas", mas entretanto foram adicionadas mais algumas dezenas do Sloan Digital Sky Survey (SDSS) mas todas extraordinariamente ténues e praticamente imperceptíveis.
As galáxias maiores e mais luminosas do Grupo são a Via Láctea, a Andromeda (Messier 31) e a Galáxia do Triângulo (Messier 33), todas elas espirais, sendo as únicas deste tipo no Grupo. A Andromeda está a 770 kpc (2.5 milhões anos-luz) e a Messier 33 acerca de 850 kpc (2.8 milhões anos-luz). O membro seguinte mais brilhante é a Grande Nuvem de Magalhães (a 50 kpc), que conjuntamente com a Pequena Nuvem de Magalhães (a 60 kpc) orbitam a Via Láctea, sendo esta última galáxias satélite. Esta duas e mais outras 11 são classificadas como irregulares (dIr). As restantes são anãs esferodais (dSph), como a galáxia acima registada, e anãs elípticas (dE) sendo muito pequenas e ténues. Esta últimas estão agrupadas à volta da Via Láctea e a Andromeda, mas também se podem encontrar relativamente isoladas.
No caso da nossa galáxia, além das "Nuvens de Magalhães" LMC e SMC, existem cerca de 20 galáxias anãs, algumas delas na chamada "corrente magalhânica", uma banda de hidrogénio neutro que foi estripado das "Nuvens Magalhânicas" há 200 milhões de anos pela a interação gravitacional com a Via Láctea. Esta corrente contém cerca de 100 milhões de massas solares.
De facto, o Grupo Local não é propriamente um grupo de galáxias no sentido que os astrónomos dão ao termo, pois o tamanho de 1 Mpc (3.2 milhões anos-luz) é arbitrário e muito extenso para a massa deste grupo, sendo provavelmente dois grupos de galáxias, um centrado na Andromeda e outro centrado na Via Láctea que se estão a aproximar e eventualmente vão-se misturar. A Andromeda é das poucas (~100) galáxias "blueshifted", ou seja está aproximar-se (ou nós dela), tanto própria galáxia como toda a sua prole de satélites, e no momento não é muito certo o valor de cada uma das suas respectivas massas, e ganhará a que tiver maior massa. É um problema para me começar a preocupar daqui a pelo menos 2500 milhões de anos...
Outros grupos vizinhos que estão num raio de 10 Mpc são: grupo de Centauro (3.5 Mpc, 17 membros), o grupo da Messier 101 (7.7 Mpc, 5 membros), o grupo Messier 65/96 (9.4 Mpc, 10 membros) e o grupo da NGC 1023 (9.6 Mpc, 6 membros).
O enxame de galáxias (grupo com centenas ou milhares de galáxias) mais próximo é o da Virgem a 16 Mpc, ocupando um área de 10ºx10º de céu, onde se podem observar cerca de 250 grandes galáxias e mais de 2000 mais pequenas, centradas na galáxia elíptica supergigante Messier 87, onde em 2017 e pela a primeira vez se fez uma imagem direta do horizonte de eventos de um buraco negro, tendo este uma massa estimada de 6500 milhões de massas solares!.
Abaixo fica uma pequena lista das galáxias do Grupo Local com ligações para imagens que fiz de algumas delas.
Galáxia | Tipo |
kpc (kpc=3262 anos-luz) |
Satélite |
Via Láctea | Sbc I-II | 8 | -- |
Grande Nuvem de Magalhães (LMC) | Ir III-IV | 50 | Via Láctea |
Pequena Nuvem de Magalhães (SMC) | Ir IV-V | 63 | Via Láctea |
Sgr I | dSph? | 20 | Via Láctea |
Fornax | dE0 | 138 | Via Láctea |
Sculptor Dwarf | dSph | 88 | Via Láctea |
Leo I | dSph | 790 | Via Láctea |
Leo II | dSph | 205 | Via Láctea |
Ursa Minor | dSph | 69 | Via Láctea |
Draco | dSph | 79 | Via Láctea |
Carina | dSph | 94 | Via Láctea |
Sextans | dSph | 86 | Via Láctea |
Andromeda (M31) | Sb I-II | 770 | -- |
M32 (NGC 221) | dE2 | 730 | Andromeda |
M110 (NGC 205) | dE5p | 730 | Andromeda |
NGC 185 | dE3p | 620 | Andromeda |
NGC 147 | dE5 | 755 | Andromeda |
And I | dSph | 790 | Andromeda |
And II | dSph | 680 | Andromeda |
And III | dSph | 760 | Andromeda |
Cas = And VII | dSph | 690 | Andromeda |
Peg = DDO 216 | dIr/dSph | 760 | -- |
Peg II = And VI | dSph | 775 | Andromeda |
LGS 3 | dIr/dSph | 620 | M33? |
Galáxia do Triângulo (M33) | Sc II-III | 850 | -- |
Barnard's Galaxy (NGC 6822) | dIr IV-V | 500 | -- |
IC 1613 | dIr V | 715 | -- |
Sagittarius | dIr V | 1060 | Via Láctea |
WLM | dIr IV-V | 945 | -- |
IC 10 | dIr IV | 660 | -- |
DDO 210, Aqr | dIr/dSph | 950 | -- |
Phoenix Dwarf | dIr/dSph | 405 | Via Láctea |
Tucana | dSph | 870 | -- |
Leo A = DDO 69 | dIr V | 800 | -- |
Cetus Dwarf | dSph | 775 | -- |
Bibliografia e recursos:
- Extragalactic Astronomy and Cosmology - An Introduction 2nd, Schneider 2015 Springer
- Deep-Sky Companions - The Messier objects, 2nd, O'Meara 2014 Cambridge University Press
- Deep-Sky Companions - The Secret Deep. O’Meara 2011 Cambridge University Press
- Star Clusters, Archinal, Hynes 2003 Willmann-Bell